sexta-feira, 31 de julho de 2009

Romagnoli, Matías Fernandez e o Colectivo do Sporting

O Sporting arranca para a nova temporada com apenas duas ou três caras novas. No onze inicial, aparece apenas Matías Fernandez, que rende Romagnoli. O chileno tem classe que nunca mais acaba, é inteligente, rapidíssimo a executar, raramente complica e, mesmo assim, o Sporting é ofensivamente uma nulidade. O que é que está mal? Aqueles que insistem em encontrar bodes expiatórios nas individualidades e não nas relações que as individualidades mantém com o colectivo jamais chegarão a conclusões plausíveis. Pessoalmente, o mau futebol deste início de temporada da equipa leonina não me surpreende minimamente, pois radica num problema que não é novo e que é de natureza exclusivamente colectiva. Mudar argentinos por chilenos, por isso, é como mudar, na confecção de um bolo, ovos podres por leite estragado. O resultado será sempre uma dor de barriga.

O objectivo deste texto é, pois, afirmar que o problema do passado do Sporting não foi a falta de qualidade individual, pois ela abunda, mas sim a falta de qualidade colectiva, e afirmar ainda que, não tendo havido modificações na filosofia de jogo, o Sporting deste ano padecerá do mesmo mal e que, apesar de ser mais forte no drible do que Romagnoli, Matías Fernandez sofrerá o mesmo tipo de problemas que o argentino, pois estará à mercê da mediocridade do colectivo. Individualmente, o plantel do Sporting é mais rico que o do Porto. Já o era no ano passado. No entanto, no plano colectivo, a equipa comandada por Jesualdo Ferreira é muito superior. E isso faz toda a diferença.

Mas quais são, afinal, os problemas colectivos do Sporting e de que maneira é que esses problemas afectam o desempenho individual dos jogadores? Há quem ache que o losango serve essencialmente fins defensivos, ou seja, que serve para preencher melhor os espaços centrais, ajudando a que a equipa tenha uma maior concentração de jogadores no meio. Isso não é verdade. O losango é das tácticas que melhor se adequa a quem pretende jogar de forma apoiada, a quem privilegia a circulação de bola e o passe curto, a quem pretende progredir no terreno de forma faseada, calmamente, com segurança. Porquê? Porque gera uma maior quantidade de apoios próximos, porque tem os seus elementos mais juntos, capazes de fornecer apoios curtos mais rapidamente. Bem explorado, o losango, porque cria três linhas diferentes só no meio-campo, permite, em posse, um melhor preenchimento dos espaços entre as linhas do adversário, o que possibilita que a qualidade da posse de bola seja melhor e mais eficaz. Essa potencialidade, contudo, não é explorada pelo losango de Paulo Bento. Aliás, o discurso recorrente do treinador leonino detém-se sobre a importância da exploração dos corredores laterais, quando toda e qualquer boa circulação de bola tem de fugir o mais possível dos corredores laterais.

É aqui que reside o primeiro problema, problema esse que não é só de Paulo Bento, mas da grande maioria das pessoas que falam de futebol. Convencionou-se dizer que toda e qualquer equipa que queira atacar bem tem de fazê-lo pelos corredores laterais. Isto é das coisas mais estúpidas que há. É sempre mais fácil asfixiar o ataque adversário quando este é conduzido pelas linhas do que pelo meio. Porquê? Porque a linha lateral funciona como um defesa. Ora, Paulo Bento, quer pelo discurso, quer pelas suas ideias, não percebe isto. É por isso que, de ano para ano, pretendeu do seu losango mais amplitude; é por isso que o sistema alternativo é um 442 clássico, com alas abertos; é por isso que a única coisa verdadeiramente colectiva que o Sporting teve consigo foram aquelas movimentações horizontais de Romagnoli, a criar superioridade numérica num flanco de forma a que a equipa conseguisse chegar à linha de fundo forçando a passagem pelo corredor lateral. O primeiro problema do Sporting é não perceber que não se deve atacar pelos corredores laterais. Os corredores laterais servem para chamar o adversário e para depois, desbloqueando a situação e voltando ao meio, rodar rapidamente o jogo levando a bola para zonas de menor densidade; servem para ir lá e voltar. Sempre. É por isso que não interessa muito que os defesas laterais sejam, do ponto de vista individual, muito fortes. Porque os laterais devem ser sobretudo competentes a jogar para dentro, quando o jogo está do seu lado, de modo a fazer a bola regressar ao meio, e inteligentes a ocupar os espaços vazios quando o jogo está do outro lado, de modo a permitir à equipa largura e profundidade.

Ao contrário, portanto, do que deveria ser, o princípio ofensivo de base do Sporting passa por insistir nos corredores laterais, quer através de combinações entre o lateral e o interior desse lado, quer através de pontapés ao longo da linha a explorar a entrada de um dos avançados, quer através da insistência pelo lado fechado do jogo, quando a bola vem ao trinco ou a um central e, em vez de ir para o outro lado, regressa ao sítio de onde viera, princípio básico que o Sporting não cumpre, certamente por instrução técnica. Assim, a equipa fica refém de duas ou três movimentações típicas, fáceis de anular, com os jogadores que recebem a bola sempre de costas para a baliza e asfixiados contra as linhas laterais. Atrevo-me a dizer que, com bola, o Sporting de Paulo Bento é das equipas que pior ocupa os espaços ofensivos, insistindo em entrar por onde há mais gente e tornando o jogo muito pouco fluido. Acresce a este problema, relacionado inteiramente com ele, tudo o resto. Por causa disto, o Sporting não troca bem a bola; não consegue explorar as zonas onde há mais espaços; não utiliza passes verticais a solicitar os avançados ou o médio-ofensivo, que poderiam funcionar como "pivot", jogando de costas e servindo de frente; tem o losango sempre muito aberto, para ocupar o melhor possível os espaços laterais, o que descuida o centro e não propicia apoios curtos; cai num excesso de objectividade absurdo que tem como principais evidências os pontapés longos dos centrais, a incapacidade de lateralizar o jogo ou de trocar calmamente a bola e a pressa de chegar à frente. A melhor maneira de demonstrar isto é recorrer à memória. Quantas vezes os avançados do Sporting aparecem isolados frente aos guarda-redes adversários? Quantas vezes aparecem em zona de finalização os médios? Quantas vezes se desbloqueiam situações ofensivas pelo meio recorrendo a uma simples tabela? As oportunidades de golo do Sporting resumem-se a remates de longe ou a cruzamentos, quer de fora, quer da linha final para trás. E isso é muito pouco. E é, sobretudo, previsível. Contra equipas que se fecham bem atrás, então, é estupidamente ineficaz.

Estes são os problemas colectivos do Sporting. Falta então explicar como é que estes problemas condicionam as individualidades. Alguns desses condicionamentos já foram referidos. Resumindo-se o jogo do Sporting a procurar as faixas, os processos ofensivos envolvem menos participantes, o que deixa inevitavelmente alguns elementos da equipa esquecidos nas zonas onde a bola não chega. É por isso que, aparentemente, há jogadores a "esconderem-se" do jogo. De igual modo, explorando as linhas laterais a todo o comprimento, os jogadores que recebem a bola raramente estão de frente para o jogo e, por norma, estão pressionados contra essa mesma linha lateral. Isso dificulta a manobra individual. Indo agora a cada uma das posições em campo, vemos que os jogadores que mais facilmente se destacam, por terem mais bola, são os centrais e o médio-defensivo. Os laterais, por exemplo, e falando apenas no plano ofensivo, dificilmente podem ter protagonismo porque actuam numa zona sobrepovoada, numa zona que deveria ser explorada quando não tem ninguém, mas que o é sistematicamente. Os interiores, que deveriam ser jogadores de equilíbrios, de apoios, têm um papel que depois entra em conflito com as necessidades defensivas da equipa. Supostamente, são eles que devem dar profundidade e largura ao meio-campo, são eles que são incumbidos do trabalho exterior e de povoar as alas. Isso torna-se excessivo e desgastante tendo em conta que, depois, defensivamente, o que lhes é pedido é que fechem no meio. Sofrem portanto um desgaste desnecessário e ocupam zonas, em termos ofensivos, que não os beneficia. Quanto aos avançados, têm a dupla missão de se movimentarem horizontalmente para servirem de referência mais avançada junto a uma linha, recebendo a bola sempre de costas e contra a linha, e de estarem na área para finalizar. Isto é de tal maneira redutor que passam maior parte do tempo sem bola ou recebem-na sempre em condições muito difíceis. Não havendo passes verticais centrais, a explorar o posicionamento ofensivo do avançado de costas para a baliza, os avançados estão sistematicamente fora do jogo ou são solicitados de uma forma que lhes dificulta a acção. É por isso que Liedson parece que é melhor que os outros, porque acrescenta às tarefas que lhe são dadas (e que o deixariam, certamente, menos em jogo) uma auto-iniciativa que, para muita gente, é louvável, tentando estar mais em jogo correndo para tudo o que é sítio e desdobrando-se em tarefas que não deveriam ser as dele. Quanto ao médio-ofensivo, e aqui reside a razão para Romagnoli e Matías Fernandez renderem menos do que poderiam, é a maior vítima desta forma de jogar. Não havendo exploração do espaço central e estando os interiores tão abertos para possibilitar superioridade numérica junto às linhas, a bola não só não entra no médio-ofensivo regularmente, o que poderia facilitar a progressão da equipa por entre as linhas defensivas do adversário, como, mesmo quando entra, não há apoios próximos dele de modo a que este possa jogar de frente e não seja obrigado a rodar. Assim, o médio-ofensivo, supostamente o jogador mais imaginativo da equipa, torna-se uma referência meramente ocasional e que, quando solicitado, fica invariavelmente entregue a si próprio. Sendo este um jogador que, pela natureza da posição que ocupa, recebe maior parte das bolas de costas para o jogo, só se tornaria rentável se tivesse , com frequência, companheiros perto de si com quem tabelar. Isso não acontece e, mesmo sendo possuidor de uma técnica acima da média, de nada adianta. A Matías Fernandez, por isso, antevejo a mesma queda na banalidade que ostracizou Romagnoli. O problema, obviamente, não é dele, como não o era de Romagnoli. Aliás, o argentino, sempre que a equipa jogou bem, foi fundamental. O problema é, isso sim, de um colectivo cujo tipo de preocupações condena quem quer que jogue ali. O médio-ofensivo, bem como boa parte dos elementos que actuem do meio-campo para a frente, será sempre, dentro desta filosofia de jogo, um jogador abaixo das suas potencialidades. O Sporting de Paulo Bento é, pois, um caso claro de como o colectivo ofusca as individualidades, um caso de como as amarras tácticas prejudicam ostensivamente cada um dos jogadores e também um caso exemplar de obsessão excessiva com coisas erradas.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

10 Pérolas

Um dos desportos preferidos deste espaço é confessadamente comentar opiniões alheias. A opinião, porque diz mais da pessoa que a tem do que propriamente daquilo a que se destina, é usualmente uma fonte de curiosidade para mim. No que diz respeito ao futebol, sobretudo porque quase todo o mundo parece que pensa que pode ter opiniões, todos os dias se dizem quantidades de lixo absurdas. Não leio jornais desportivos porque os jornalistas desportivos não percebem de desporto e tento, ao máximo, seleccionar aquilo que melhor qualidade apresenta. No entanto, e porque é impossível fugir a todas as atrocidades que são ditas, sobretudo quando ditas em espaços com alguma responsabilidade, não consigo conter um certo repúdio pelo que é dito e germina em mim uma vontade irrepremível de troçar de certas coisas. Já aqui foram alvo de chacota opiniões de alguns notáveis da nossa praça, jornalistas, comentadores e treinadores, principalmente. Desta vez, o alvo é uma coisa que não sei definir, sobretudo por não saber quem é e que profissão exerce, mas que escreve com habitual regularidade e ignominiosa facúndia no já reputado jornal online Academia de Talentos.

Antes de me dedicar ao que concretamente me proponho, gostaria de deixar algumas palavras, em jeito de preâmbulo, do maior génio português de todos os tempos e que se adequam com profícua clareza ao texto que se segue e que respondem, com subtileza e mordacidade, às previsíveis críticas que se seguirem.

"(...) A crítica, de resto, é apenas a forma suprema e artística da maledicência. É preferível que seja justa, mas não é absolutamente necessário que o seja. A injustiça, aliás, é a justiça dos fortes. No fundo, isto é tudo bondade. (...) A justificação última da crítica assim bem entendida é o satisfazer a função natural de desdenhar, função tão natural como a de comer e que é de boa higiene do espírito satisfazer cuidadosamente. Quem sente vontade de desdenhar não deve atar-se à cobardia de julgar isso feio, nem vender-se à infâmia de ir desdenhar o que os outros desdenham, abdicando assim da sua individualidade, gregário. (...) Buscar o conforto no desprezo é não só o nosso dever para com o desprezo, mas também o nosso dever para com nós próprios. Espetar alfinetes na alma alheia, dispondo esses alfinetes em desenhos que aprazam à nossa atenção futilmente concentrada, para que o nosso tédio se vá esvaindo - eis um passatempo deliciosamente de crítico, ao qual juramos fidelidade."

(Fernando Pessoa, «Balança de Minerva - Aferição», 1913)

A selecção que faço dos ditos de Pedro Fajardo - é assim que se chama a criatura que dará alma aos parágrafos que se seguem - peca, certamente, por escassa. A partir do momento em que comecei a acompanhar, com relativa frequência, o que era escrito no Academia de Talentos, deparei-me com várias pérolas e não pude deter fortes risadas e irónicos assentimentos de cabeça. Nem todas tiveram origem na mesma pessoa, é certo, até porque o nível de conhecimentos e de capacidade analítica das pessoas que por ali escrevem, apesar do interesse dos conteúdos e da temática, é bastante curto. Mas as opiniões de Pedro Fajardo sempre me pareceram, existindo um concurso de opiniões absurdas, as mais promissoras. De futebol, esta pessoa perceberá pouquíssimo. Terá o mérito de gostar do jogo. Ou de pensar que gosta, pois não sabe o que é o jogo e, caso o soubesse, talvez não gostasse dele.

Antes ainda de passarmos às suas pérolas, ficam algumas opiniões curiosas de outras pessoas que por lá escrevem.

1. Gil Nunes, tendo que constituir uma equipa ideal de juniores 2008/2009, exibiu a seguinte formação: Ruca na baliza, Cedric, Nuno Reis, Roderick e Mário Rui na defesa, Leandro Pimenta, André Martins e Diogo Rosado no meio-campo, Diogo Viana, Nélson Oliveira e Wilson Eduardo na frente. Para o banco relegou Victor Golas, Josué Pesqueira, Ishmael Yartey, Sagna, Pedro Mendes, Henrique Dinis e Danilo Pereira. Não acompanhei todo o campeonato, mas posso falar da fase final e do talento, em termos absolutos dos jogadores. Começo pelos centrais. Nuno Reis é um bom jogador, mas não incluir Pedro Mendes nos titulares é parvoíce. Roderick não tem classe nem para o banco. Mário Rui é um trauliteiro. Quanto ao meio-campo, é absurdo pensar-se em Leandro Pimenta. Sobretudo quando se esquece David Simão,(Benfica), Diogo Amado (Sporting), Ricardo Dias (Porto) ou André Almeida (Belenenses), sendo que todos eles nem como suplentes foram considerados e qualquer um deles, na selecção de sub-19, tem presença mais assídua. Outro que foi esquecido foi Rabiu Ibrahim (Sporting). Mas lembrou-se de Danilo Pereira, claro. Não se ter lembrado de Lassana Camará já é uma conquista. No ataque, referenciar Diogo Viana e Wilson Eduardo é de loucos. Juntando os neurónios dos dois dava para aí inteligência para um infantil. É até ultrajante estes jogadores serem incluídos numa formação e Josué Pesqueira e Yartey não o serem. Para culminar, Gil Nunes aventa dois nomes para melhor jogador da época: Nuno Reis e Roderick Miranda. Pois, está bem! Nem Josué Pesqueira, nem Diogo Rosado, nem André Martins, nem Rabiu Ibrahim, nem Nélson Oliveira... Talento que é bonito não... O que é bom são centrais duros... Não sei, mas apostaria que Gil Nunes, quando jogava à bola, era o que punha mais adversários a sangrar.

2. Paulo Matias escreve sobre o preconceito que há contra jogadores africanos e a suspeita que muitos deles não tenham a idade correspondente ao escalão em que jogam. Faz então uma defesa dos jogadores africanos, ignorando, por certo, a certeza do teste do pulso e o facto de ser conhecido publicamente que muitos deles têm idades "ilegais", e pergunta:

"Será justo colocarmos em causa o talento de jogadores como Valdomiro Lameira "Estrela", Pape Bakary, Sancidino Silva, Armindo Bangna "Bruma", Carlos Mané, ou os irmãos Edilino Ié, e Edgar Ié
, entre muitos outros que existem nos mais variados clubes Portugueses, apenas porque neste momento exibem uma superioridade física ou intensidade de jogo totalmente diferente dos seus colegas do mesmo escalão? E se quando chegarem ao futebol sénior a superioridade continuar?"

Eu respondo. Sim, será justo. Sobretudo se se souber que o talento deles não é bem talento porque têm mais três ou quatro anos. Não conheço maior parte dos nomes citados por Paulo Matias, embora os ache divertidos, sobretudo aqueles irmãos, mas conheço o primeiro. A alcunha dele é "Zé Estrela" e jogou há uns anos num certo torneio da Pontinha, despontando porque tinha mais meio-metro que os outros miúdos. Na altura achei suspeito. Mais tarde, confirmei que a sua idade não era condizente com o escalão em que jogava. E a diferença não era só de um ano ou dois. Continua Paulo Matias, dizendo, perguntando:

"Nem de propósito, existem actualmente três jogadores que se têm evidenciado nos juniores do Benfica e que certamente já sentiram este tipo de reacções em Portugal, são eles Danilo Pereira, Lassana Camará e Ishmael Yartey. Será alguém capaz de ignorar o talento que estes jovens têm demonstrado na equipa de juniores do Benfica?"

Eu sou capaz. E sou capaz sobretudo porque, tirando Yartey, que tem qualidade, os outros dois são miseráveis. Nem quero saber das idades deles. É mesmo de falta de talento que falo. Basicamente, o que Paulo Matias defende é que factos afinal são preconceitos. Nem vou voltar a falar no avançado ganês de 22 anos que o Benfica o ano passado tinha nos juniores, porque não vale a pena. Além disso, parece defender também que os africanos, quaisquer que sejam, têm talento. Eu não tenho a certeza, mas nos diccionários costuma dizer que "preconceito" significa conceitos formados previamente. Ora, achar que todo o africano é ostracizado porque tem mais talento é que é capaz de ser uma forma de preconceito. E de estupidez, já agora.

3. Nuno Valente faz uma análise ao Benfica/Porto, a contar para a penúltima jornada da fase final do campeonato de juniores deste ano e destaca Nélson Oliveira e Ruca como os melhores em campo. Ruca é o guarda-redes do Porto e parece-me um bom guarda-redes. Mas os guarda-redes normalmente só são destacados ou quando os restantes jogadores são mesmo muito maus ou quando fazem grandes exibições. O argumento de Nuno Valente é que Ruca teve excelentes intervenções. É verdade que o Benfica passou muito mais tempo no meio-campo do Porto, mas criou pouquíssimas situações de perigo e Ruca não fez nenhuma defesa difícil, limitando-se a demonstrar alguma segurança (nem sempre) na resposta a cruzamentos. Só percebo esta análise do ponto de vista de um benfiquista ferrenho, que tentou justificar a má exibição da equipa encarnada e o mau resultado com uma exibição imaculada do guardião adversário. Ora, isto não faz justiça ao que se passou. Sobretudo quando em campo esteve Josué Pesqueira, de longe o jogador mais adulto e mais talentoso do Porto, autor do golo da sua equipa e responsável por tudo o que de bom em termos ofensivos a equipa produziu. Na análise individual a Josué, Nuno Valente diz o seguinte:

"Sempre muito influente, quase todas as jogadas de ataque passaram pelos seus pés. Muito esclarecido, sabe bem como tratar a bola, e foi dele o golo, na conversão da grande penalidade."

Parece elogioso, não parece? Mas não é. É só uma forma simpática de dizer que jogou mais ou menos. Isto porque depois diz isto de Diogo Viana:

"O melhor jogador portista, a par de Ruca, foi dos seus pés que saíram os lances mais perigosos de todo o encontro para a sua equipa. Ganhou a grande penalidade, em mais um lance onde foi notória a sua velocidade e foi sempre o mais esclarecido do ataque portista."

Ora, Diogo Viana fez um jogo horripilante. Dos seus pés não saiu um único lance de perigo, como parece querer convencer-nos Nuno Valente, decidiu sempre mal, tentou virar-se sempre para o seu adversário, quando recebia a bola, mesmo que estivesse apertado, e foi sempre anulado por um rapaz de seu nome Mário Rui, que bate em tudo o que mexe. Não ganhou a grande penalidade, porque quem a cometeu é que foi burro que nem uma porta. E dizer que foi o mais esclarecido, quando não sabe o que é um companheiro de equipa e o único argumento que tem é correr é das coisas mais patéticas que se pode dizer.

4. Chegamos finalmente às pérolas de Pedro Fajardo. Sobre Pedro Mendes, um central tecnicamente muito dotado, com uma capacidade para sair a jogar absolutamente notável e igualmente muito forte em termos defensivos, estando sempre concentrado e tendo uma leitura perfeita dos lances, diz o seguinte:

"Pedro Mendes é um central diferente, cuja evolução a nível técnico tem (aparentemente) encantado os responsáveis leoninos."

É um central diferente? Diferente de quê, amigo? Diferente dos outros ou diferente daquilo que tu achas que é um central? Não é diferente, não. É melhor.

"Acredito muito no seu potencial, mas acho que ainda tem de crescer fisicamente, assim como em alguns aspectos competitivos, para revelar todo o seu potencial."

Pois, estava-se mesmo a ver. O problema é o físico. Para Pedro Fajardo, um bom jogador é só um jogador com potencial. Enquanto não tiver físico, não tem qualidade, tem só potencial. Pedro Mendes não precisa de físico nem precisa de ser mais competitivo do que é. Isto porque competitividade não é agressividade; é concentração, inteligência, precisão, capacidade de melhorar. E ele tem isso tudo.

"Quando souber aplicar o seu físico, no que lhe será muito importante habituar-se ao duro jogo das divisões inferiores, Pedro Mendes poderá aliar os pezinhos de lã com que sempre pretende jogar, para se tornar num central completo."

Ficamos a saber que um central completo é aquele que sabe aplicar o físico. O Baresi, o Maldini, o Laurent Blanc e o Beckenbauer não eram completos. Mas o que eu gosto mesmo é da ideia de ser importante, para um jogador como este, o "duro jogo das divisões inferiores", como se passar pelos escalões inferiores fosse um ritual de passagem, em que um miúdo aprende a ser homem, sendo que homem é, entenda-se, alguém que sabe usar a força, que é viril, que bate nas mulheres. Está certo... Fico com a sensação que Pedro Fajardo é um homem das cavernas...

"Quanto a mim, Nuno Reis mereceria passar imediatamente para o escalão sénior (inclusivamente, parece-me, um defesa mais maduro que Pedro Mendes)."

Nuno Reis é o companheiro de defesa de Pedro Mendes, no Sporting e na selecção. Sabem por que é que parece a Pedro Fajardo que Nuno Reis é mais maduro? Não adivinham? Eu digo: porque é mais agressivo. Faz todo o sentido. Maturidade é agressividade, aliás. Não está em causa o valor dos dois jogadores. São ambos bons. Mas Pedro Mendes tem mais maturidade, até porque é um ano mais velho, e tem características que Nuno Reis não tem e que podem ser uma enorme mais-valia. Mais uma vez, Pedro Fajardo faria bem se estivesse calado...

5. Pedro Fajardo também tem opiniões sobre Wilson Eduardo, o que é sempre bom. Diz ele:

"Pouco mais posso acrescentar ao que já disse sobre Wilson. Posso apenas esperar que esteja em (mais uma) tarde inspirada e que os seus colegas saibam canalizar muitas bolas para aquele flanco esquerdo, onde cairá inevitavelmente."

Deve ser azar meu. É que ainda não presenciei nenhuma tarde inspirada do Wilson Eduardo. Apenas momentos exasperantes de burrice e toneladas de bolas perdidas. Enfim, Wilson Eduardo é aquele jogador que não tem nada de bom, além da velocidade. Corre com os braços junto ao corpo, não vê os companheiros, não tem talento e nem sequer faz muitos golos. É um caso gritante de parvoíce generalizada, continuar a achar que este rapaz tem algum futuro. Mas Pedro Fajardo não se fica por aqui e compara-o a Ricardo Nogueira:

"E para quem estava habituado a ver Ricardo Nogueira falhar golos em barda nos juniores (suportado por uma geração excepcional, entre os quais estavam o Daniel Carriço, Adrien Silva, João Gonçalves, etc.), ver o Wilson jogar era um pouco pouco como rever o tipo de avançados que se iam criando nas camadas jovens do Sporting: fortes tecnicamente (sempre superiores aos seus adversários) e extremamente perdulários. Por isso, com Wilson muitas vezes meti as mãos à cabeça e pensei "avançado que é avançado não pode falhar golos assim". Até aquele (belo) jogo em Guimarães em Junho de 2007, em que Wilson não foi somente mortífero, mas revelou também as características que poderão projectá-lo bem alto no futebol: velocidade, técnica, remate e diagonais de fazer os adversários perder a cabeça."

Mais uma vez, Pedro Fajardo demonstra que não sabe o que é futebol. Um avançado não tem que marcar golos para ser excelente. Comparar Ricardo Nogueira, que nem sequer era perdulário, a Wilson Eduardo é doentio. Dizer então que Wilson Eduardo é forte tecnicamente quando fica a milhas de Ricardo Nogueira neste aspecto é deficiência mental. Mas Wilson Eduardo convenceu Pedro Fajardo quando foi mortífero num determinado jogo. Pois... É uma qualidade do caraças, ser mortífero. Para Pedro Fajardo, o ideal de avançado é um escorpião. Afinal de contas, é mortífero...

"Prestes a cumprir os seus dois últimos jogos no escalão júnior, não sabemos ainda o que o futuro imediato reservará a Wilson Eduardo. A julgar pelas elogiosas comparações que lhe vão fazendo (entre ser parecido com o Liedson e ter características semelhantes ao Thierry Henry) seria de esperar que o mais velho dos irmãos Eduardo saltasse directamente para o plantel principal."

A comparação com Liedson pode ser válida, tirando o facto de não marcar muitos golos (o que afinal é a única razão pela qual o Liedson tem a reputação que tem), pois o estilo é semelhante. Agora, não sei é se é uma comparação elogiosa. A mim parece-me exactamente a razão pela qual Wilson Eduardo é horrível. É mau em tudo o que o Liedson é mau e é mau também naquilo em que o Liedson é bom. Corolário: não presta para nada.

6. Mais recentemente, fala Pedro Fajardo de Marco Matias, um extremo que pertence aos quadros do Sporting, saído da fornada de juniores do ano passado. Não é muito talentoso, embora seja forte no um para um, graças ao seu poder de arranque e à técnica que possui. Mas não é daqueles jogadores que consiga resolver jogos sozinho e não é, seguramente, um jogador de grande futuro a nível nacional. Ainda assim, Pedro Fajardo pensa que ele seria bom para integrar o plantel leonino esta época, mesmo não jogando o Sporting com extremos. Diz o seguinte:

"Sejamos objectivos, a principal razão para que tenha pensado em Marco Matias durante esse jogo contra o 13.º classificado da Championship da época transacta, não se prende com as qualidades deste jogador - que acompanhei durante duas épocas nos escalões de formação do Sporting. Deveu-se antes à falta de largura e jogadores que tenham capacidade para assumir o risco do 1x1 no futebol do Sporting. Marco Matias, tal como Yannick Djaló, são dois representantes de uma escola de extremos que não encontra espaço para jogar no 11 principal do clube. Mas essas são outras questões."

Pois, eu sei que questões são essas. Pedro Fajardo quer extremos à força toda, mesmo que não os haja. Pertence àquele grupo de gente que continua a achar que o Sporting produz os melhores extremos do mundo e que, por isso, devia jogar com extremos, mesmo quando não há um de jeito desde o Nani. E como quer extremos e não os há a não ser banais, acredita que a banalidade de Marco Matias pode ser útil.

"As suas características não se fazem: há poucos jogadores com a sua capacidade individual, há ainda menos com capacidade para fintar em progressão, há falta de largura no futebol do Sporting. Marco Matias não seria titular perante consagrados como Marat Izmailov, Yannick Djaló, Simon Vukcevic ou Bruno Pereirinha, caso o Sporting alinhasse num 4-3-3, mas seria uma belíssima solução para ir oferecendo minutos, porque poderia, com um golpe de asa, decidir uma partida."

Pedro Fajardo nem sequer sabe o que é capacidade individual. Marco Matias é do nível de Bruno Gama, Vieirinha, Candeias, David Caiado e outros que nunca hão-de jogar a um bom nível porque simplesmente só têm de bom o um para um, não sendo porém excepcionais nesse aspecto. E decidir um jogo num golpe de asa é para jogadores fora-de-série, não para jogadores medianos.

"Num plantel que se quer de soluções, Marco Matias seria uma óptima oportunidade para que o Sporting voltasse a colocar o seu nome na esfera dos extremos decisivos. As orientações actuais, contudo, são outras."

Cá está. Pedro Fajardo quer é que o Sporting volte a colocar o seu nome na "esfera dos extremos decisivos", mesmo quando eles não existem. E nem percebe que o problema não são as "orientações actuais". O problema é mesmo a falta de qualidade dos extremos que têm aparecido nos últimos anos.

7. Pedro Fajardo tem ainda opinião sobre Celestino, mas desta vez deixa no ar um indelével sabor a esquizofrenia. Diz o seguinte:

"E, por isso, começo com a conclusão: não vejo no Pedro Celestino as qualidades necessárias para se tornar um jogador de top nacional."

Eu também não. Até aqui tudo bem.

"parecendo paradoxal (prometo que não é), é por isso que Pedro Celestino poderia ser uma solução para o Sporting."

Então?? Que é que se passou? Parecendo paradoxal?? Não... É mesmo paradoxal, pá! Então não tem valor e poderia ser uma solução para o Sporting? Nunca se virá a tornar um jogador de topo nacional e o Sporting deve prolongar o vínculo com ele e até integrá-lo no seu plantel? Que é que se passa? Queres explicar? E ele explica:

"face aos lamentos de Paulo Bento relativamente à indisponibilidade de Marat Izmailov, diria que Celestino era mesmo a solução óbvia."

Primeiro não tinha valor; depois já podia ser solução; agora já é a "solução óbvia". É óbvio que isto não faz sentido nenhum.

"E porquê? Em primeiro lugar, haveria que partir do princípio que o treinador do Sporting admitia mudar o modelo de jogo consoante as características dos seus jogadores. Se assim fosse, Celestino poderia revelar-se uma boa solução no plantel para preencher as posições 6 e 8 num 4-3-3, quer nos jogos em que se desejasse oferecer músculo (saído do banco) à equipa, quer nos jogos em que, a perder, se pretendesse libertar mais os alas para tarefas ofensivas e aproveitar a boa qualidade de passe que possui."

Ah!! Era solução se Paulo Bento decidisse mudar o modelo de jogo. Faz todo o sentido, agora. Acho que o Sporting também devia modificar a cor dos equipamentos, só mesmo para satisfazer a vontade a Pedro Fajardo, que parece um rapaz dado a caprichos. Mas ele continua. E fala da altura em que conheceu Celestino e do que escreveu sobre ele:

"E como a internet tem destas coisas, é curioso constatar qual foi a primeira impressão que me deixou. Aqui a está: "Celestino é um médio forte, difícil de se lhe roubar a bola, mas como 10 não pode jogar pois não transporta a bola e não a vai buscar". Conforme também mencionei, "talvez possa ser interessante colocá-lo numa ala." É curioso constatar que, com apenas 90' de observação (ou sou muito teimoso ou...) mudei muito pouco de opinião sobre o ‘Celeste'."

Isto é formidável. Primeiro, Pedro Fajardo relaciona a força com a facilidade que tem para preservar a bola, como se uma coisa fosse a consequência da outra. Celestino nunca foi especialmente forte a preservar a bola, apesar de ser forte. Mas como Pedro Fajardo acha que a força faz com que se segure melhor a bola, tem estas ideias. Erradas, obviamente. De seguida, diz que como 10 não pode jogar porque não transporta a bola e não a vai buscar. Ficamos a saber que, para Pedro Fajardo, só pode jogar a 10 alguém que transporte a bola. Aimar, Lucho, Diego, Xavi, Iniesta, Fabregas, Deco, Lampard e Gerrard jamais poderão jogar a 10. Conforme também mencionou, achava que poder-se-ia colocá-lo numa ala. E, apesar de Celestino nunca ter jogado na ala e de ele próprio ponderar que ele jogue como 6 ou 8, acha que mudou pouco a sua opinião sobre Celestino. A mim parece-me que ele não sabe o que é uma opinião. Além de raramente ter opiniões acertadas. Como prémio final, ainda se refere de forma carinhosa e ligeiramente homoerótica a Celestino, usando um nome de mulher ao tratá-lo por "Celeste".

8. No mesmo texto em que se refere a Celestino, Pedro Fajardo fala da equipa de juniores do Sporting em que Celestino jogou do seguinte modo:

"Já por aqui referi quando o bichinho dos jogos da formação germinou para mim: falava-se de uma imbatível geração (1989) de juvenis e de uma de juniores (1987) que passeava pelos relvados portugueses. Nessa formação de juniores jogavam alguns que já tinham sido, inclusivamente, chamados ao plantel principal: Rui Patrício era o guarda-redes, André Marques o defesa esquerdo, Zezinando o trinco, Bruno Pereirinha 8 ou extremo, David Caiado era extremo e Tomané avançado. Todos eles, durante essa temporada, haviam sido chamados - uma vez ou outra - a sentar-se no banco de suplentes do Sporting e mesmo a actuar alguns minutos. Nessa equipa falava-se muito de dois outros jogadores: João Martins (o mano mais novo de Carlos, que por essa altura ainda jogava de leão ao peito) e de Fábio Paim. Foi assim que, cheio de curiosidade, comecei a acompanhar os jogos do Pedro Celestino."

Acho engraçado que tenha começado a acompanhar os juniores do Sporting nessa altura, que refira vários jogadores dessa geração e que não mencione o melhor deles todos, Diogo Tavares, que por acaso até foi o melhor marcador do campeonato de juniores desse ano e que foi frequentemente o melhor marcador do escalão em que jogava e que era titularíssimo da selecção. É sobretudo engraçado que mencione Tó Mané, quando este jogador não jogava para jogar Diogo Tavares. E se calhar vale a pena dizer ainda que Daniel Carriço já despontava ao lado de Paulo Renato e que André Nogueira era um lateral-direito notável, como nunca mais se viu nenhum nos juniores do Sporting. Mas Pedro Fajardo não viu essas coisas. Viu outras.

9. Pedro Fajardo revela ainda uma paixão especial por mais um jogador banal, elevando-o ao Olimpo das estrelas da formação do Sporting como se se tratasse do Hércules de Alcochete. Falo de Bruno Matias. Diz ele o seguinte:

"Sobre Bruno Matias: "A dispensa de Bruno Matias (um jogador muito superior, por exemplo, a Carlos Saleiro) também nos diz algo sobre o método e sobre a estratégia."

Pedro Fajardo acha que Bruno Matias é superior a Carlos Saleiro. A razão, imagino, prende-se com a capacidade concretizadora que ele diz que Bruno Matias tinha nos juvenis. Esquece-se é que Saleiro é mais jogador em tudo o que importa: é mais inteligente, é melhor de costas para a baliza, compreende melhor o jogo e tem atributos colectivos que Bruno Matias nunca terá. Continua ele:

"E, para qualquer sportinguista, a dispensa de Bruno Matias deve ser vista com preocupação. Porque, além de William Owuso e de Wilson Eduardo, só se vislumbram atacantes com potencial para serem de primeira linha nos Juvenis B (Altair Jr. e Betinho). Passará algum tempo até que o Sporting tenha outra geração excepcional."

Em tão poucas linhas, Pedro Fajardo consegue dizer asneiras que dão para um ano. Diz que é preocupante a dispensa de Bruno Matias, quando é um jogador claramente abaixo da média, e depois refere que sobram William Owuso e Wilson Eduardo, que também não são grande espingarda. Parece-me é que os padrões de Pedro Fajardo ficam um pouco abaixo do desejado. Finalmente, remata com a esplêndida advertência de que vai demorar para haver outra geração excepcional. E a verdade é que a geração de Bruno Matias, Marco Matias e William Owuso foi a menos excepcional dos últimos cinco anos. Não é engraçado, o Pedro Fajardo?

10. Mas Pedro Fajardo também tem opiniões sobre o Benfica. Diz ele:

"O Sport Lisboa e Benfica dispõe de um lote de jogadores de excelente qualidade, onde pontifica a qualidade técnica de Nélson Oliveira, a velocidade de Ishmael Yartey, a solidez ofensiva de David Simão, Leandro Pimenta e Lassana Camará, devidamente reforçada pela irreverência e singularidade do ex-leão Mário Rui."

Pedro Fajardo adjectiva elogiosamente alguns jogadores do Benfica. Mas colocar no mesmo prato os primeiros três com os seguintes é estúpido. Além disso, se há coisa que o David Simão tem não é solidez ofensiva. É tecnicamente bom e tem boa visão de jogo, mas falta-lhe clarividência e sobretudo muito velocidade de execução. Leandro Pimenta e Lassana Camará, então, são ofensivamente patéticos, um por falta de talento, o outro por falta de talento e por falta de tudo o que seja atributo para jogar futebol. Resta Mário Rui, que é péssimo a todos os níveis, mas que Pedro Fajardo considera possuir irreverência e singularidade. Mário Rui cerra os dentes em todas as jogadas e distribui fruta até na bola. Há quem lhe chame parvoíce. Pedro Fajardo prefere chamar-lhe singularidade. É capaz de ter razão...

E com estas dez pérolas me fico. Pedro Fajardo, esse, por certo continuará a presentear o mundo do jornalismo retrógrado com opiniões e disparates fabulosos, capazes de encher páginas e de motivar risadas e boa disposição a quem, por ter massa encefálica própria de um ser humano normal, consegue perceber coisas para além do óbvio e distinguir a qualidade da mediocridade.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Técnica: um Atributo Mental

Serve o presente texto de argumento contra a ideia de que é possível perder técnicas. Nele tentarei expor aquilo que entendo por técnica e rebater a ideia, aparentemente querida de muita gente, de que Cristiano Ronaldo, ao modificar o seu corpo, perdeu atributos técnicos. A extensão do mesmo resulta da complexidade do assunto e da dimensão filosófica pela qual decidi enveredar.

Coisas que não se esquecem


Por que razão, depois de aprendermos a andar de bicicleta, nunca mais desaprendemos? Por que é que, depois de se aprender a fazer malabarismo com três bolas, nunca mais se desaprende? Como é que conseguimos falar ao telefone e conduzir ao mesmo tempo? Por que é um canhoto consegue escrever tão bem com a mão esquerda e parece um deficiente mental com a direita? A resposta a estas perguntas tem um denominador comum: a técnica. Aprendemos uma técnica e, ao contrário do que querem crer algumas pessoas, nunca mais a voltamos a perder. Ter uma técnica ou ser capaz de uma habilidade consiste num processo de aprendizagem mental, processo esse que, uma vez concluído, fica "gravado" em nós, muito possivelmente na parte subconsciente do nosso cérebro. O acesso a essa "gravação", nestes casos, será imediato e instintivo. Executamos todas estas técnicas sem raciocinar, sem pensar se o estamos a fazer bem, mas de uma maneira natural. Isto ainda que, numa determinada altura da vida, não fôssemos capazes de fazê-lo. Noutros casos mais complexos, o acesso à "gravação" pode ser mais demorado e pode requerer, por falta de prática, uma determinada afinação.

No caso do futebol, a aquisição da técnica é um processo gradual, de constante modificação e aperfeiçoamento da relação entre indivíduo e bola, que é obviamente influenciado pelo crescimento do corpo. Durante o crescimento, a relação com os objectos tem de ser constantemente reavivada, pois o corpo, conforme vai crescendo, vai alterando a forma como reage aos estímulos. Ao contrário do que muita gente pensa, ser alto não é sinónimo de ser tosco. É verdade que o facto de ter um centro de gravidade mais baixo permite outras coisas aos jogadores, mas permite sobretudo agilidade, velocidade de reacção. É perfeitamente possível que um jogador alto seja tão dotado tecnicamente quanto um jogador baixo e há inúmeros casos de jogadores prodigiosos a nível técnico que não tinham um centro de gravidade baixo: Zidane, Riquelme, Ibrahimovic. Assim, a técnica não depende de uma certa estrutura morfológica, mas sim de um processo aquisicional. O facto de os jogadores altos, de uma maneira geral, terem menores competências técnicas não se explica pelo seu corpo, mas sim pela forma como o seu corpo cresceu. É portanto uma questão do foro da história do crescimento e da relação que se mantém, ao longo do crescimento, com o corpo. Maior parte dos jogadores grandes que são toscos terão tido, por certo, um crescimento gradual. Uma vez que o seu corpo cresceu de forma progressiva, não se estabelecia durante muito tempo de maneira a que desse tempo ao atleta para perceber exactamente como o seu corpo funcionava, o que, por fim, gerou um futebolista com competências técnicas abaixo do desejado. Por outro lado, os atletas cujo crescimento foi mais abrupto, tiveram mais tempo, em cada uma das fases de crescimento, para se relacionar com o seu corpo e para adquirir uma técnica aceitável. Por exemplo, dificilmente o crescimento de Ibrahimovic terá sido uma coisa gradual. O mais certo é ter crescido por etapas, muito de cada vez, o que lhe deu tempo para se aperceber das faculdades motoras ao seu dispor e para desenvolver uma competência técnica que, de outro modo, não poderia desenvolver.

Ter técnica é, pois, ter adquirido uma determinada competência mental. Aceder a essa competência mental, porém, não é um processo automático e depende muito da natureza da própria competência. No caso de andar de bicicleta, provavelmente porque envolve menos coisas e porque o aperfeiçoamento é menos exigente, temos poucos problemas, mesmo que o nosso corpo sofra modificações significativas. No caso do futebol, porque envolve muito mais coisas, porque implica não só a relação com o próprio corpo como a relação com uma bola e com um jogo muito específico e complexo, o acesso à técnica pode ser mais complicado. Mas detenhamo-nos, para já, em dois exemplos: bater livres e fazer truques com a bola. Estes dois exemplos são peculiares porque eliminam boa parte das variáveis que tornam o futebol um jogo cuja competência técnica depende de muita coisa. No caso dos livres, um jogador aperfeiçoa a sua técnica ao longo da carreira. Aperfeiçoar a técnica de bater livres é aperceber-se, gradualmente, das melhores condições para ter êxito nessa actividade. Ao longo do processo de aprendizagem, o jogador vai retendo as condições ideais de equilíbrio, a posição do corpo no momento de tocar na bola, o ponto específico da bola no qual deve acertar, a potência que deve dar ao remate, etc. Essa retenção nunca mais desaparece, embora o seu acesso possa não ser imediato. A interrupção da prática constante de bater livres pode tornar o acesso às condições ideais para o fazer mais complicado. Mas, nesse caso, é uma questão de retomar a prática constante, que "aviva" de certo modo a "gravação" do processo técnico. É por isso que, mesmo em idades avançadas, em idades em que já perderam grande parte das faculdades físicas, maior parte dos exímios marcadores de livres continuam exímios marcadores de livres. Lembremo-nos de André Cruz, por exemplo. Não passa pela cabeça de ninguém, certamente, que David Beckham algum dia deixe de ser periogoso a bater livres, sofra o seu corpo as alterações que sofrer (desde que essas alterações não impeçam que continue apto para praticar futebol ao mais alto nível). De igual modo, fazer truques com uma bola depende de uma aquisição técnica que não se volta a perder. Fazer a chamada "volta ao mundo" só custa antes de sabermos fazê-la. Depois de aprendermos a técnica, sai naturalmente, porque "gravamos" as condições ideais para a sua execução. Nestes dois casos específicos, a execução perfeita pode ser afectada pela ausência de prática, mas nunca existe um esquecimento do que foi adquirido mentalmente.

A aquisição de uma técnica é, por isso, segundo esta defesa, um processo irreversível. Uma vez adquirida, temo-la para sempre. O que pode mudar é o acesso a essa técnica, sendo que este pode ser influenciado pela regularidade do acto de aceder a essa técnica, ou seja, a prática dessa técnica, ou pela modificação dos estímulos que nos fazem aceder à técnica. Um atleta, ao modificar o seu corpo, modifica a relação que tem com ele. Por outras palavras, modificará a forma como capta os estímulos exteriores. Ora bem, era aqui que pretendia chegar. Um jogador, ao modificar o seu corpo, não perde faculdades técnicas. O que acontece é que põe em conflito uma determinada "gravação", ajustada para responder de determinada maneira em função de um conjunto de estímulos específico, com um corpo que, por estar diferente, é estimulado de forma diferente. O novo conjunto de estímulos, uma vez que é diferente, não conduz à mesma "gravação" e tem de haver, nesta altura, uma readaptação da "gravação" ao novo conjunto de estímulos. Essa readaptação não constitui necessariamente, todavia, uma perda da "gravação" anterior. Trata-se somente de um ajuste.

Terá Cristiano Ronaldo perdido Técnica?

Dito isto, há quem defenda, muito seriamente, que Cristiano Ronaldo, ao modificar o seu corpo, tornando-o mais potente, perdeu faculdades técnicas. Por tudo o que foi dito acima, não concordo com isto. Perdeu, certamente, alguma coisa, mas nada do que perdeu é técnica. Terá perdido agilidade, capacidade de reacção, reflexos. Nada disto é técnica. São coisas, é certo, que podem participar do acesso à técnica. Mas não são a técnica em si. Podem facilitar a sua execução, mas não são, em concreto, a técnica. Aliás, no caso de Cristiano Ronaldo, a importância destas faculdades na sua técnica era até diminuta. A sua técnica nunca foi apurada ao ponto de necessitar do máximo de agilidade ou do máximo da capacidade de reacção imediata. Nunca foi forte, por isso, em espaços curtos; o seu drible curto estava pouquíssimo trabalhado, a sua capacidade para proteger a bola em condições espaciais reduzidas nunca foi relevante, etc. Assim, a perda necessária de algumas dessas características terá até tido uma participação diminuta na readaptação dos novos estímulos corporais à técnica pré-existente.

Ronaldo não perdeu a técnica que tinha, nem sequer perdeu capacidade individual, o que é muitas vezes confundido com "técnica". E isto por uma razão simples: aquilo que perdeu não era, já antes, predicado necessário na capacidade individual que tinha. A sua capacidade individual era manifestada mais pela potência do que pela agilidade ou pela velocidade de reacção. A competência individual de Ronaldo sempre dependeu da sua potência muscular e não dos seus atributos técnicos. Há, de facto, diferenças, mas elas não têm necessariamente a ver com técnica. O Ronaldo de antes fazia meia-dúzia de truques quando encarava os adversários no um para um, mas o factor que desequilibrava era sempre a sua explosão, a velocidade com que saía do drible. E isto ele não perdeu. Pelo contrário, a sua potência muscular actual permite-lhe ser mais forte até neste pormenor. A única diferença é que agora, antes de fazer valer a sua potência muscular, já não recorre a tantos malabarismos. E não porque não seja capaz de fazê-los (ainda que, muito provavelmente, a velocidade com que os executava não possa ser a mesma), mas antes porque percebeu a pouca importância dos mesmos no desfecho do duelo individual. Aquilo que mudou em Ronaldo foi o seu comportamento perante as situações. Ao ganhar experiência, percebeu que o recurso determinante era a forma como saía do drible e não tudo o que antecedia esse momento. Por isso, passou a conceder cada vez menos espaço aos artifícios técnicos e a dar prioridade ao arranque, à explosão, à mudança de velocidade, à velocidade de ponta. Nada disto implica que tenha perdido técnica.

Tem sido usada, para reforçar a tese de que que Cristiano Ronaldo perdeu competências técnicas, a entrevista de Nuno Amieiro a Vítor Frade, publicada no blogue Falemos de Futebol. Não tenho quaisquer problemas com as concepções teóricas veiculadas nessa entrevista e concordo que a aquisição de algumas coisas implica a perda de outras. Mas não considero que isso se passe ao nível da técnica porque simplesmente considero a técnica como um atributo próprio (ainda que, na sua formação, possa ser influenciado por um conjunto de atributos) e não uma soma de atributos. Tentando ser o mais analítico possível, aqueles que defendem que a alteração de atributos como a agilidade, a força, a velocidade, a potência muscular, os reflexos e a capacidade de resposta a estímulos, só para dar alguns exemplos, alteram a competência técnica do atleta não podem crer que exista uma coisa chamada "técnica". Essas pessoas acham que a "técnica" é uma substância predicada pela soma dos seus atributos, sendo esses atributos os acima mencionados. Neste sentido, a técnica seria uma entidade abstracta e o atleta mais competente a nível técnico seria aquele que reunisse o melhor equilíbrio entre os diferentes atributos mencionados. Ao contrário desta hipótese, considero a técnica um atributo em si e não uma substância. Isto é, para mim, a técnica é um atributo como os outros, conquanto de natureza diferente. É esta diferença de natureza que é necessário investigar.

A natureza relacional da Técnica

Atributos como a agilidade, a força, a potência muscular e afins são atributos que podem ser treináveis não-especificamente. Isto é, dependem apenas do indivíduo. Por outro lado, uma técnica, qualquer que seja, depende sempre da relação entre um indivíduo e um objecto. Equilibrar pratos no nariz, andar de bicicleta ou dançar requerem técnicas que só podem ser treinadas com o objecto sobre o qual se debruçam, respectivamente pratos, bicicletas e ritmos musicais, e também sob uma determinada forma de usar esses objectos. Nesse sentido, enquanto os outros atributos são especificamente atributos corporais, uma técnica é um atributo mental cuja execução é mediada pelo corpo. Adquirir uma técnica é, por isso, diferente de adquirir agilidade ou velocidade. Fica, portanto, evidente que a natureza de uma técnica é diferente da natureza de outro tipo de atributos. Falta explicar por que razão considero que essa diferença de natureza não faz da técnica uma substância predicada por vários atributos, mas sim um atributo como tantos outros. Se a técnica fosse uma substância, isto é, uma entidade abstracta que mais não é que um conjunto de vários atributos arranjado de uma forma específica, teria de poder ser treinável de forma descontextualizada, isto é, sem a presença do objecto sobre o qual essa técnica se debruça. Mas ninguém aprende uma técnica sem prática. Para aprender a técnica de andar de bicicleta é preciso andar de bicicleta. Logo, se aprender uma técnica depende do contacto com o objecto sobre o qual essa técnica se debruça, é impossível que ela seja apenas a soma de determinados atributos que não têm uma relação específica com esse objecto. Pelo contrário, a técnica é um atributo mental que se origina pela prática, isto é, que radica unicamente na relação entre indivíduo e objecto. Todo o ser humano adulto aprendeu, em determinada altura da vida, a andar. Andar é uma técnica porque consiste unicamente na relação entre um indivíduo e uma superfície. E é nessa relação e não nos dois pólos (indivíduo e objecto) que jaz a competência técnica.

Ao contrário, portanto, de muitos outros atributos, a técnica é essencialmente um atributo mental, um atributo cuja natureza é relacional e não intrínseca. Para que tudo isto seja coerente, tenho de defender que nenhuns dos atributos mentais são perecíveis. É o que pretendo. A técnica é um atributo semelhante à memória. Quando dizemos que memorizamos algo estamos a mentir. Memorizamos, isso sim, uma impressão de algo. E uma impressão é a relação entre um indivíduo e o algo que impressiona. A natureza da memória é, pois, igualmente relacional. Será que as memórias se perdem? Não creio. Acredito que retemos toda a experiência que acumulamos, (ou grande parte dela, pelo menos) ainda que não tenhamos consciência disso e ainda que certas coisas sejam mais difíceis de relembrar do que outras. Quando achamos que algumas das nossas memórias são pouco claras, não será apenas o acesso a elas que é deficiente? Há técnicas, como a hipnose, que nos permitem aceder a lembranças a que, de outra forma, nunca conseguiríamos aceder. Será, por isso, pelo menos legítimo afirmar que o que se modifica com o tempo é o acesso à memória e não a memória em si. E o mesmo se poderia passar com uma técnica: aquilo que se altera ou danifica é o acesso à técnica e não a técnica em si. O funcionamento de uma memória é assim muito semelhante ao funcionamento de uma técnica. Se exercitarmos recorrentemente uma memória, mantemos intacta a relação entre indivíduo e objecto. Da mesma maneira se mantém intacta essa relação, se exercitarmos recorrentemente uma técnica. Indo mais longe, possuir uma técnica consiste em possuir uma memória de uma relação entre o indivíduo e o objecto sobre o qual se debruça a técnica. Possuiremos sempre essa técnica, embora seja possível que nem sempre a tenhamos afinada, pelas mais variadas razões.

Há, porém, uma diferença relevante entre memórias e técnicas. Ao contrário do que acontece com uma memória, exercitar uma técnica depende daquilo que medeia a relação entre indivíduo e objecto, ou seja, o corpo. Seria possível, portanto, defender que, sendo o corpo precisamente o instrumento pelo qual se estabelece a relação entre indivíduo e objecto, relação essa que é a própria essência da técnica, qualquer alteração nesse instrumento resultaria numa necessária alteração da técnica. Discordo. A técnica mantém-se intacta. O que se modifica são os estímulos. Pensemos no exemplo de um pintor que tem por hábito pintar ora com os dedos ora usando pincéis. Se, por questões profissionais, estiver um ano a pintar com pincéis, perderá o jeito, a habilidade, a técnica de pintar só com os dedos? É óbvio que não. Poderá a sua prática estar enferrujada, mas a técnica não a perde, seguramente. E não consistirão, porventura, pintar com pincéis e pintar com os dedos duas técnicas diferentes, podendo o pintor dominar as duas? Penso que não. E penso que não porque o objecto sobre o qual se debruça a técnica de pintar não é nem o lápis, nem o pincel, nem os dedos. A técnica de pintar consiste na relação entre pintor (indivíduo) e tela (objecto). Os dedos e os pincéis são o corpo, isto é, aquilo que medeia a relação entre pintor e tela, sendo que o pincel é uma extensão do corpo na mesma medida em que uma caneta é uma extensão do corpo na técnica de escrever. Dito isto, é evidente que pintar com os dedos produz efeitos diferentes de pintar com pincéis. Mas o que produz esses efeitos diferentes é tão-somente a execução da técnica, que tem logicamente de ser diferente, pois é mediada de forma diferente. Assim, uma mesma técnica pode ter diferentes execuções, consoante o instrumento (e as potencialidades desse instrumento) através do qual se materializa a sua execução, mas não se modifica. Isto não implica que quem domina uma técnica seja capaz de executá-la das mais variadas formas. Como já ficou dito acima, uma técnica não se aperfeiçoa descontextualizadamente, mas pela prática. E praticar é executar a técnica, dependendo a execução do instrumento que se usa.

Ora bem, um pintor que tenha passado toda a vida a pintar com os dedos terá dificuldades, no imediato, em exprimir a sua técnica através do uso de um pincel. Mas aprender a usar um pincel não é o mesmo que aprender uma técnica. É uma questão meramente instrumental e requer apenas uma ligeira habituação. É certo que as potencialidades de pintar com pincéis são diferentes das potencialidades de pintar com os dedos, mas a técnica de desenho será igual nos dois casos. O que varia é a forma como essa técnica é colocada em prática e não a técnica em si. Um jogador de futebol, ao "engrossar", modifica a relação que tem com o corpo. Perde agilidade, reflexos, rapidez de execução. Ou seja, altera o instrumento através do qual executa a técnica que possui. Mas nada disto é técnica. A perda destas coisas pode implicar uma execução deficiente da técnica que possui, já que essa técnica está programada para reagir a estímulos diferentes daqueles que agora são captados. Mas da perda dessas coisas não se segue uma perda de técnica. O que ocorre é um conflito, um desajuste entre um conjunto de estímulos desconhecido e uma técnica conhecida e preparada para um determinado conjunto de estímulos específico. Este novo conjunto de estímulos, embora desconhecido, não irá requerer uma nova aprendizagem e não irá produzir uma nova técnica. Isso seria admitir que a mais pequena transformação corporal destruiria por completo a técnica pré-existente. O que vai acontecer é que este novo conjunto de estímulos irá ter de aprender a aceder à técnica já existente. Dessa aprendizagem, dessa habituação, não resultam perdas de técnica, pese embora as potencialidades não sejam as mesmas. Tal como um pintor, ao pintar com os dedos, não tem ao seu dispor as mesmas potencialidades que tem ao pintar com pincéis, um jogador de futebol, ao "engrossar", tem potencialidades diferentes. Provavelmente, não conseguirá executar aquilo que tem em mente com tanta rapidez, pois possuirá menos flexibilidade. Mas também é provável que consiga executar aquilo que tem em mente com mais potência. Assim, não é a técnica que se perde ou se altera; o que sofre modificações é a forma como essa técnica é executada. A execução de uma técnica corresponde àquilo a que chamei "acesso" a uma técnica. Esse acesso pode ser dificultado por ausência de prática, que no fundo é tornar menos presente a relação entre indivíduo e objecto, ou por alterações no indivíduo ou no objecto, o que implica alterações na relação entre os dois. Ultrapassar esta última dificuldade implica, como tentei demonstrar, um ajuste. "Engrossar" não implica, portanto, uma perda de competência técnica, mas um ajuste dessa competência técnica, ajuste esse que só pode ser conseguido pela prática da técnica. Ajustar uma determinada competência técnica passa então por aplicar a técnica pré-existente aos novos estímulos propiciados pela nova relação entre indivíduo e objecto.

Técnica e Talento

Falta dedicar, por fim, algumas palavras em relação à diferença entre técnica e talento. Por técnica entendo, como penso ter ficado claro, a relação de um indivíduo com um objecto, relação essa que é orientada para uma determinada finalidade. Assim, o mesmo indivíduo e o mesmo objecto podem originar técnicas diferentes, mediante a finalidade a que se proponha a própria técnica: um homem pode relacionar-se de diferentes maneiras com uma caneta, consoante o fim a que se proponha, e desenvolver a técnica da escrita, a técnica do desenho, a técnica de equilibrar canetas no nariz, etc. Uma vez que a essência de qualquer técnica é precisamente o ser uma relação específica e contextualizada entre um indivíduo e um objecto, possuir uma técnica é possuir um atributo diferente de atributos como a velocidade, a agilidade, a força, etc. Estes atributos são treináveis por si, podendo ser adquiridos através de um treino analítico, descontextualizado. Como defendi, uma técnica, por ser essencialmente uma relação entre coisas, é um atributo mental, atributo esse cujo aperfeiçoamento não está, de maneira nenhuma, dependente da quantidade existente dos outros atributos. Pode ser que, por esta altura, para muita gente, a noção de talento entre em conflito com a noção de técnica. Não creio que exista problema algum. Uma técnica consiste numa relação simples entre um indivíduo e um objecto; um talento consiste numa relação complexa entre um indivíduo e um objecto e uma situação. Assim, o talento será igualmente um atributo mental, ou seja, será um atributo da mesma natureza que a técnica. Mas será um atributo mental de natureza complexa, que envolverá, mais do que a relação entre um indivíduo e um objecto, a relação entre estes dois e uma situação complexa. Assim, de uma pessoa que sabe andar de bicicleta diz-se que tem técnica para tal, mas não se diz que tem talento. Andar de bicicleta requer técnica, não talento. Andar sobre uma corda, equilibrar pratos, fazer malabarismo são técnicas, não talentos. Aliás, nenhuma arte circense requer talento. É por isso que são artes menores, quando comparadas com as grandes artes. O mesmo se aplica a um guitarrista. É perfeitamente possível que consiga desenvolver uma técnica perfeita e que consiga tocar guitarra de uma forma exemplar. Mas isso não basta para ser talentoso. Através do uso dessa técnica será capaz de imitar os grandes guitarristas, mas é possível que não consiga criar nada de verdadeiramente grandioso. Isto porque o talento para a música é muito mais do que o domínio perfeito da relação entre o indivíduo e uma guitarra.

Contribuem para o desenvolvimento de um talento não só a técnica, mas também outros atributos mentais, como a inteligência, a criatividade, o conhecimento, a intuição, etc. Há inúmeros casos de pessoas que possuem uma técnica perfeita mas que não são minimamente talentosas. Um exímio falsificador de quadros tem de ser alguém possuidor de uma técnica perfeita, mas não é, se não for capaz de produzir arte sua com relativo valor, um artista talentoso. Também no desporto há exemplos destes. Os Globetrotters são tecnicamente perfeitos e conseguem fazer coisas em basquetebol que não está ao alcance de todos. Mas terão talento para jogar basquetebol? Isto é, conseguiriam ser tão competitivos como os melhores jogadores de basquetebol? Em futebol, são incontáveis as pessoas que são capazes de fazer truques com a bola e que dominam com perfeição a relação com a bola. Mas para serem talentosos teriam de saber jogar futebol, e muitas destas pessoas não o sabem. Falcão, o mais reputado jogador de futsal do planeta, é tecnicamente perfeito, domina a relação com a bola como poucos. No entanto, o seu talento para jogar futebol de 11 é diminuto, não obstante ser um muito talentoso jogador de futsal. É possível concluir, portanto, que ao contrário da técnica, o talento não depende apenas de uma relação específica, orientada para uma determinada finalidade, entre indivíduo e objecto, mas de uma relação entre essa relação e uma situação complexa que exige uma competência diferente de uma competência técnica. Adquirir um talento depende por isso, muito mais do que do domínio da relação com um objecto, de uma determinada percepção de uma situação complexa. Nesta percepção intervem, muito mais do que quaisquer competências técnicas, todo o intelecto. É por isso que um talento é uma capacidade complexa, passível de ser adquirida apenas pela experiência da situação complexa em questão, e nunca uma predisposição inata. Na sua aquisição influem muitas coisas, nenhuma delas possível de desenvolver na ausência da situação complexa que o determina. Há, para finalizar, ainda outra diferença importante entre uma técnica e um talento. Uma técnica, sendo a relação entre um indivíduo e um objecto, é mediada por um corpo, ou seja, a sua execução depende de um corpo que a concretize. Um talento não tem esta dimensão; não se executam talentos. A execução tem um papel relevante numa técnica, mas não o tem num talento. O xadrez é tipicamente um desporto para o qual não existe uma técnica relevante, mas para o qual é necessário talento, ou seja, formas eficazes de perceber coisas. Assim, ao contrário da técnica, que é um atributo mental que se concretiza pela acção de um corpo num objecto, o talento é um atributo mental puro, desenvolvido independentemente do corpo e do objecto e em função de uma situação complexa.

domingo, 12 de julho de 2009

Certezas (15)

Improvável, deslocado, inadequado. Estes foram alguns dos adjectivos que me ocorreram quando vi jogar este miúdo na equipa de juniores do Porto. Tem futebol que nunca mais acaba, mas este encontrou-se encurralado na mediocridade da equipa onde evoluía. Com um pé esquerdo que parece enfeitiçar tanto o esférico como os próprios adversários, que só vem acentuar as assimetrias existentes entre ele e o resto da equipa, conseguiu disfarçar de aceitável o futebol(?) praticado pela sua equipa. Agora é esperar que o deixem crescer e que a Covilhã não seja demasiado pequena para esta etapa do Josué Pesqueira....

P.S. Depois de ver a actuação de Diogo Viana na Luz, só me apetece perguntar: onde é que andam os críticos que se insurgiram contra a transferêrencia de Diogo Viana para o Porto? A não ser que sejam adeptos do Porto...

sábado, 4 de julho de 2009

Um treinador competente ou um fala-barato?

Aplaudo de pé, quando assim tem de ser, os clubes que decidem ter à frente da sua equipa técnica treinadores que, apesar de um currículo curto ou pouco reputado, parecem discernir, com relativa facilidade, as exigências do futebol moderno. Muitas dessas contratações, contudo, devem-se ao acaso e não a uma estratégia ponderada. Por exemplo, a contratação de Jorge Jesus pode mesmo ser o melhor que Vieira fez até hoje à frente do Benfica, mas duvido que isso se tenha ficado a dever a uma ponderação acertada. Falando de treinadores, é cada vez mais normal os clubes procurarem académicos que não tiveram, enquanto jogadores, um percurso necessariamente interessante. Esta distinção, porém, radica num erro. É tão errado presumir que um ex-jogador tem vantagens em relação a quem não jogou ou a quem não jogou ao mais alto nível, porque viveu o jogo por dentro, quanto presumir que um académico, porque leu e investigou certas coisas mais ao pormenor, tem vantagens em relação a quem não o fez. A qualidade de um treinador não depende da quantidade de literatura que conseguiu acumular, nem da quantidade de experiência que o seu currículo enquanto jogador lhe forneceu. Ser um bom treinador tem essencialmente a ver com competência. Saber muito ou ter muita experiência pode não ter nada a ver com competência.

Esta posição extrema, que é a posição de muito boa gente, tornaria fácil identificar bons treinadores. Assim, aqueles que estudaram, que se educaram, que tiveram contacto com os mais modernos métodos de treino, estariam numa posição privilegiada. Isto não é verdade e há exemplos de treinadores bastante competentes que foram jogadores no passado. Acredito, de facto, que a experiência enquanto jogador não chega e que um ex-jogador só se pode tornar um bom treinador se se cultivar, se for inteligente. Mas o contrário não é menos verdade. Por mais culta que seja uma pessoa, a reflexão sobre o jogo, a aplicação da cultura à particularidade do futebol é essencial. Poderia dar o exemplo de Queiroz. Para muitos, porque é um académico, tem de ser bom treinador. Mas não é. Nem nunca foi. É apenas alguém que teve um percurso diferente. Até pode ter métodos de treino mais sofisticados que muitos dos treinadores actuais, até pode conhecer mais coisas, até pode estar mais informado, mas se as suas ideias não são boas, de nada lhe vale. E as ideias são aquilo que de mais importante um treinador deve ter. Ter ideias não se segue de estudar muito, como não se segue de conhecer o jogo enquanto jogador. São coisas distintas; não existe uma relação de causalidade entre elas.

Posto isto, queria individualizar o problema. Carlos Azenha, o agora treinador do Vitória de Setúbal, pertence evidentemente à segunda classe de treinadores, aos académicos. Para muitos, a presença de Carlos Azenha na primeira liga é uma boa notícia e um sinal de esperança em relação ao avanço, a nível técnico, do nosso futebol. Não sei se concordo com isto. Por uma razão simples: porque não conheço a fundo as ideias de Carlos Azenha. Aliás, aqueles que acham que Azenha é um dos mais competentes treinadores portugueses só o podem achar porque consideram acertada a premissa acima repudiada. Isto é, quem acha que Carlos Azenha pode trazer boas coisas ao futebol português pensa imediatamente que, por ser um académico, tem vantagens em relação aos outros treinadores. Ou então conhece melhor as suas ideias do que eu. Aquilo que posso dizer com relativa segurança é que Carlos Azenha é uma pessoa informada, provavelmente com métodos de treino bastante modernos, etc. Mas nada disto, como demonstrei, implica ter boas ideias. E é aqui que reside o problema. Do pouco que conheço das ideias de Carlos Azenha, sobretudo das suas intervenções ao longo da época no Domingo Desportivo, não tenho uma opinião tão optimista. Parece-me, de facto, alguém com conhecimentos acima da média, mas parece-me também ter demasiadas certezas infundadas, demasiadas opiniões banais, demasiadas demagogias, demasiados lugares-comuns...

Certa vez, por exempo, Carlos Azenha referiu-se ao avançado hondurenho do Benfica, David Suazo, de uma forma absolutamente convencional e errada. Segundo ele, Suazo era um jogador para jogar na profundidade, útil quando era possível lançar a bola para as costas da defesa, mas que tinha imensas dificuldades quando assim não era. Ora, isto é falso. Está na base deste pensamento um erro bastante comum: pensar que os jogadores valem pelo seu atributo mais interessante. Porque Suazo era veloz, pensava-se que só era forte num tipo de jogo que beneficiasse essa velocidade. Não ver que Suazo era muito mais do que um jogador veloz é um tipo de cegueira grave. Quando Carlos Azenha, ou qualquer outra pessoa, diz que Suazo só é bom nesse tipo de jogo, está a mostrar que não vê as coisas como elas deveriam ser vistas, está a revelar que só tomou atenção, como maior parte das pessoas, aos lances em que o hondurenho, fazendo valer a sua individualidade, conseguiu produzir alguma coisa de útil. Mas produzir alguma coisa de útil não é só ter iniciativas individuais, não é só fazer valer as suas melhores características. É até, essencialmente, fazer valer as suas características colectivas. Suazo não valia só pela sua capacidade de explosão; era um jogador inteligente, muito forte a segurar a bola de costas para a baliza e a tabelar com os colegas, respeitador do colectivo e interessado em jogar em equipa. O que Carlos Azenha evidencia, ao dizer tal coisa, é que não percebeu quem era David Suazo. O que ele percebeu foi o que o hondurenho produziu e não o que poderia produzir. Se a equipa não foi capaz de tirar nada de útil dele além da sua capacidade de explosão, ele não tem culpa. Ou seja, o facto de a equipa jogar para ele de uma determinada maneira não implica que ele não pudesse ser forte noutro tipo de jogo. Aliás, foi muito útil ao Inter e nem sempre pelo seu poder de arranque ou pela sua velocidade. Carlos Azenha, como tantos outros - parece-me - fica-se pelo evidente, pelo que salta à vista, pelo espalhafatoso, pelos golos, por aquilo que toca o nervo óptico sem a mediação da racionalidade. E isso é indicador de uma falta de atenção e de uma falta de finura intelectual que me deixa com muitas reticências quanto à sua pretensa competência...

Poderia, se me lembrasse, concentrar-me noutras ideias com as quais não concordei. Vou antes concluir com as palavras que disse ao ser contratado pelo Vitória de Setúbal. Carlos Azenha disse então, com mais pompa do que com correcção, que queria o seu Vitória a "defender à Sacchi e a atacar à Van Gaal". A expressão é daquelas que entra no ouvido. Cita dois nomes pomposos e as pessoas ficam atentas. Sacchi e Van Gaal são, afinal, das melhores referências que um treinador pode ter. Mas, além da maneira forçada com que os nomes são citados, é a associação entre eles e a divisão entre processos ofensivos e defensivos que mais choca. Eu sei o que é jogar à Sacchi e o que é jogar à Van Gaal, mas o que é jogar defendendo à Sacchi e atacando à Van Gaal? A única resposta que tenho é que isto é parvoíce. São duas coisas incompatíveis. Resta saber se Carlos Azenha o sabia e o disse mais para impressionar ou se, de facto, essas são as suas ideias. Resta saber, por isso, se Carlos Azenha tem competência para corresponder às expectativas ou se não é mais do que um fala-barato...