domingo, 30 de dezembro de 2007

Certezas (9)

Não compreendo como é possível deixar escapar entre os dedos tantos jogadores talentosos. Este é mais um exemplo claro da cegueira dos treinadores e dos adeptos portugueses. Joga preferencialmente encostado a uma linha, para aí poder usufruir da liberdade que a sua fantasia necessita. É irreverente, procura com frequência o drible, sendo muitas vezes bem sucedido, e é um quebra-cabeças para qualquer opositor. Faz-me lembrar, e muito, o estilo de Quaresma: gosta de humilhar o adversário, de se divertir com a bola, de entusiasmar o público. E junta a tudo isto uma atitude competitiva invejável. Não haverá, para além de Portugal, outro país no mundo em que se produza tantos extremos de qualidade. Creio que este é mais um desses casos e, se bem acompanhado, poderá vir a dar cartas num futuro próximo. Para já, parece não ter convencido aqueles que o acompanham, embora seja claramente melhor que outros. Não cresceu, como os grandes nomes da sua posição (Ronaldo, Quaresma, Simão e Nani) nas escolas do Sporting, mas penso que possui um potencial semelhante. Ao contrário de alguns jogadores que agora surgem e dos quais se fala em demasia, este rapaz não tem por virtude apenas uma boa relação com a bola. Acrescenta à capacidade técnica uma facilidade incrível no um para um, coisa que esses pseudo-talentosos não possuem em quantidades assinaláveis. O seu pé esquerdo pode, num futuro próximo, vir a ser referência entre os grandes de Portugal; creio até que já teria, neste momento, lugar no plantel do clube ao qual pertence. Passou quase todo o ano anterior lesionado e não pôde confirmar o seu valor. Este ano, além de ser esquecido no banco da equipa de sub-21, chegou mesmo a ver imitada a infâmia no clube que representa. Só nos últimos jogos tem sido opção constante, para gáudio dos admiradores de arte e para felicidade de quem torce pelo clube cujas cores defende. Sem querer parecer repetitivo, mas já o sendo, ser-me-á difícil aceitar que Hélder Barbosa não triunfe no futebol português e que outros desta geração o façam.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Ronaldo: o porquê de não ser o melhor do mundo

Como bons portugueses que somos, estamos historicamente habituados a ser do contra: seja a lutar contra causas nobres, contra a dinastia filipina ou contra o salazarismo e a opressão do regime, seja por pura teimosia, contra a independência das colónias ou contra tudo o que é inovador e que vem mexer com os nossos "brandos costumes". Este carácter de guerrilha que se apodera da população geral atinge todas as áreas. Somos, neste sentido, demasiado bairristas, demasiado agarrados ao que é nosso. Se por um lado isso é uma demonstração de força, de união, de nacionalismo, de espírito de luta, por outro impede de ver as coisas de forma mais sensata. Destituídos de razão, achamos que somos desvalorizados pelo resto do mundo. Admito que haja nações com mais força que outras, que soframos certas injustiças por não termos o mesmo peso que outros países têm, mas há, da nossa parte, um exagero tremendo em considerar que nos perseguem até à exaustão. No futebol, como em tudo em geral, temos tendência para achar que muitos dos nossos insucessos se explicam pelo pouco poder que o país tem na conjuntura mundial. Não digo que assim não seja, mas há que pensar bem nas coisas e nem tudo tem a mesma explicação. O terceiro lugar de Ronaldo na eleição do melhor jogador do mundo gerou uma onda de contestação que considero despropositada, e, como consequência, uma euforia desmedida sempre que o madeirense comprova o seu enorme valor: a cada golo, a cada finta, a cada exibição de encher o olho, os indignados levantam a voz patriota em alerta: "Vejam! Vejam como é injusto ele não ser o melhor do mundo!" Além de francamente conveniente, acho errado tudo o que dizem.

Em primeiro lugar, há que perceber que quem elege os melhores jogadores de um determinado ano dá mais importância às competições europeias, onde todos estão envolvidos e cujo grau de dificuldade é igual, do que aos desempenhos internos. Não é este o meu argumento, mas vejamos o que se passou. Nas competições europeias, Kaká foi o melhor marcador da Liga dos Campeões, com 10 golos (Ronaldo marcou apenas 3), levou o Milan ao título e, no confronto directo com Ronaldo, foi decisivo, ao contrário do português. Já de Messi não se pode dizer o mesmo, pelo que o facto de o argentino ter ficado à frente do português não se explicará da mesma forma. Em segundo lugar, em competições decisivas, isto é, em finais ou eliminatórias, Ronaldo fracassou sempre. Ganhou o campeonato inglês, mas perdeu a final da taça de Inglaterra, fazendo um jogo discreto, e perdeu as meias-finais da Liga dos Campeões, numa eliminatória em que foi profundamente ineficaz. Se aliarmos isto ao seu desempenho medíocre na Selecção Portuguesa, onde se salvou pelos golos que marcou ao longo do apuramento e nada mais, temos que só vemos o Ronaldo ao mais alto nível no campeonato inglês. Deste modo se explica a preferência dos votantes por Kaká. É verdade que este ano já marcou 5 golos na Liga dos Campeões, ao passo que Kaká só ainda marcou 2. Messi, porém, já marcou 4. Mas as prestações desta época pouco terão contado para as votações, até porque se dá, normalmente, mais importância à fase decisiva das épocas.

Esquecendo os possíveis argumentos de quem votou, tentemos então comparar as épocas dos três eleitos. Dizem os delatores de Kaká que o brasileiro teve uma prestação notável fora de portas, mas que, no campeonato, foi uma sombra de si próprio. Devo esclarecer que o Milan acabou em 4º, depois de ter começado com menos 8 pontos, e que Kaká marcou 8 golos (14% dos golos da equipa) em 31 jogos (0,26 golos por jogo). Esta época, ao contrário do que dizem, Kaká tem sido o menos responsável pelo mau campeonato do Milan e leva 7 golos (33% dos golos da equipa) em 12 jogos (0,58 golos por jogo). Aliás, dizer que um jogador, sendo bom, tem obrigação de conduzir sozinho a sua equipa a uma boa prestação é ridículo. Ronaldo, na época passada, marcou 17 golos (20% dos golos da sua equipa) em 34 jogos (0,50 golos por jogo) e, esta época, leva 12 golos (33% golos da sua equipa) em 15 jogos (0,80 golos por jogo). Messi, na época anterior, marcou 14 golos (18% dos golos da sua equipa) em 26 jogos (0,54 golos por jogo). Esta época leva 8 golos (25% dos golos da sua equipa) em 14 jogos (0,57 golos por jogo). Os números, por si só, dizem-me pouco, mas por estas estatísticas podemos perceber que, na época passada, no campeonato interno, Ronaldo marcou 20% dos golos da sua equipa, ao passo que Messi marcou 18% e Kaká 14%; podemos perceber que, na época passada, Messi marcou 0,54 golos por jogo, ao passo que Ronaldo marcou 0,50 e Kaká apenas 0,26; esta época, Ronaldo marcou 33% dos golos da sua equipa, os mesmos 33% que Kaká, ao passo que Messi marcou 25%; Ronaldo marcou 0,80 golos por jogo, ao passo que Kaká está nos 0,58 e Messi nos 0,57. O que demonstra isto? Apenas e só que, em golos, Ronaldo é ligeiramente (e é preciso sublinhar o "ligeiramente") superior aos seus adversários directos.

Os golos não explicam tudo; aliás, não explicam quase nada. Ao contrário do que faz muito boa gente, é preciso enquadrá-los na equipa em que jogam (daí ter focado a percentagem de golos marcados em função dos golos marcados pela equipa) e o campeonato onde cada um joga. E é aqui que pretendo chegar. Muito do que Ronaldo é deve-se ao facto de jogar em Inglaterra; muitos dos seus êxitos individuais não são indissociáveis do campeonato em que joga. Em Inglaterra, há muito mais espaço do que em Itália, logo é desonesto esperar que Kaká marque tantos golos como Ronaldo. O próprio Milan marca menos golos que o Manchester, em parte porque o campeonato é menos propício a isso. Além disto, num campeonato como o inglês é muito mais fácil um jogador destacar-se individualmente do que em Itália ou em Espanha. Se juntarmos a essa facilidade as características de Ronaldo, percebemos que um jogador como ele está muito potenciado em Inglaterra. A velocidade e a explosão de Ronaldo tornam-se ainda mais fundamentais num tipo de futebol com mais espaço, no qual as transições sejam mais rápidas. Em Inglaterra, um jogador essencialmente individualista (que vive muito das acções individuais) está sempre no seu habitat preferido. Não tenho a menor dúvida de que, em Itália ou em Espanha, Ronaldo marcaria menos golos e seria menos decisivo e que Kaká e Messi, em Inglaterra, jogariam mais e marcariam mais.

Ronaldo teria muitas dificuldades em se adaptar ao futebol italiano, por exemplo. Se bem que seja um jogador parecido com ele, pois vive muito das acções individuais, dos dribles, dos "slalons", dos desequilíbrios com bola, o argentino Messi adaptar-se-ia com mais facilidade ao futebol italiano. Isto porque o seu drible é muito mais curto do que o do português e isso confere-lhe outra facilidade em espaços mais curtos. Por esta razão, não necessita tanto que o ritmo de jogo seja alto como o português. É fácil de perceber que, sempre que encontra equipas fechadas, que jogam compactas, Ronaldo tem muito mais dificuldades em impor o seu futebol. Normalmente, quando tira um jogador da frente em Inglaterra, porque o ritmo é alto e os sectores muito desligados uns dos outros, tem sempre espaço para manobrar. Contra equipas que não as inglesas, quando se desembaraça do primeiro adversário, tem sempre menos espaço e as suas acções não são tão frutuosas. Kaká é, actualmente, o jogador mais rápido no mundo a conduzir a bola. Não tem um drible tão curto quanto Messi, nem a explosão de Ronaldo, mas conduz a bola colada ao pé à mesma velocidade a que corre sem ela, enquanto o português conduz a bola com toques muito mais longos. A velocidade em posse de Kaká é mais eficaz, porque mais curta, que a de Ronaldo, mesmo que não atinja a mesma velocidade do português. Aliando a isso uma inteligência notável e uma velocidade de decisão acima da média, tem as características ideais para o futebol italiano. Ronaldo, além da velocidade e da explosão, tem pouca coisa. Se bem que rapidíssimo a executar, não é tão rápido a pensar. E isso também se explica pelos hábitos do campeonato inglês. Num futebol de ritmo elevado, os espaços são muitos e é possível ter a bola durante mais tempo. Isso faz com que o jogador tenha muito tempo para decidir e que tenha, invariavelmente, muitas opções válidas para escolher. Porque joga em Inglaterra, Ronaldo não desenvolveu um pensamento veloz, ao contrário da execução. A velocidade, em si, pode ser treinada individualmente, pode ser potenciada sem a conjuntura do jogo. Já o pensamento depende do espaço e do tempo que o jogador dispõe a cada instante e esse espaço e esse tempo, em Inglaterra, são muito mais elevados do que nos restantes campeonatos. Porque joga num futebol aberto, Ronaldo não tem a necessidade de decidir tão rapidamente quanto têm Messi e, sobretudo, Kaká.

Resumindo, Ronaldo atinge os números que atinge e joga o que joga porque actua num campeonato propício às suas características. Kaká e Messi, porque têm, em quantidades idênticas, as mesmas características que fazem de Ronaldo o que ele é, a saber, a velocidade e a explosão, seriam igualmente potenciados se jogassem em Inglaterra. Já o contrário não é necessariamente verdade. Tanto Kaká como Messi decidem melhor em espaços curtos do que Ronaldo; tanto o brasileiro como o argentino têm uma condução de bola mais curta; tanto um como outro têm uma técnica mais apurada (para evitar, a priori, as críticas que adivinho, alerto para o seguinte: técnica não é fantasia, não é imaginação, não é criatividade, não é dribles). Por isso, não é possível tomar uma decisão sobre o melhor jogador do mundo independentemente da equipa onde se joga, do esquema táctico e da filosofia de jogo dessa equipa, do campeonato onde jogam, etc. A eleição de Kaká como o melhor do mundo não oferece, quanto a mim, qualquer tipo de contestação. Já o segundo lugar de Messi, à frente de Ronaldo, é, penso, tão válido quanto o contrário. Não me surpreendeu, da mesma forma que não me surpreenderia se Ronaldo ficasse à frente de Messi. Tenho, contudo, a minha opinião sobre os três, opinião essa que julgo ter ficado clara. Kaká e Messi são mais completos que Ronaldo e, como não se pode ignorar a profunda diferença entre os campeonatos onde actuam, os dois primeiros estão mais preparados que o último. Por tudo isto, concordo com o terceiro lugar de Ronaldo, embora lhe reconheça talento mais do que suficiente para que venha, um dia, a ser o melhor do mundo, coisa que, definitivamente, ainda não é...

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Sondagem (3)

O melhor do mundo, segundo os votantes na Sondagem do Entre Dez, é Kaká. Os 7 votos do brasileiro levaram de vencida os 4 de Messi e os 3 de Ronaldo. Significa isto que os votantes chegaram à mesma conclusão que a FIFA. Será que Ronaldo lê este blog e fez a mesma cara de poucos amigos ao saber do resultado?

domingo, 23 de dezembro de 2007

Curtas da Liga

Jesualdo, sempre que é obrigado a mexer no seu onze base, encontra dificuldades que não são consentâneas com o avanço que dispõe sobre os adversários directos. Graças a "Deus" que o Quaresma é imune a cartões vermelhos directos...

Nuno Gomes e Cardozo contabilizam seis golos cada um. E nenhum deles tem sido indiscutível. Mas o Benfica, apesar de, na maioria das vezes, apenas utilizar um avançado, continua no mercado por mais uma opção para o seu ataque. E um treinador a sério, não?

O Guimarães continua imparável. No resumo (breve), apenas deu Guimarães, no confronto com o clube de Belém. Depois de ter visto o Belenenses vencer o Benfica de forma categórica - não foi apenas por demérito do Benfica -, fica a ideia que esta equipa sofre de dupla personalidade.

O Sporting teve de sofrer para levar de vencida uma equipa tão patética como o Paços. A opção de recuar na parte final do encontro, com mais um elemento em campo, ia-se revelando suicida. Valeu a péssima réplica do adversário.

Vukcevic e Liedson. O primeiro é já, e de longe, o jogador com mais influência directa nos golos alcançados pelo Sporting. Golos, assistências e penaltys. Pelo meio, ainda ridiculariza quem, no início da época, e por mero preconceito, o acusava de ser fraco nas acções defensivas. Já o brasileiro vem dar razão a tudo o que se defende neste espaço. Um avançado, para se exibir a um excelente nível, não tem de estar submisso à incumbência de fazer golos. A exibição de ontem demonstrou isso de forma clara.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Texto sem pés nem cabeça

Andava pela página da FIFA quando me deparei com uma variante de futebol que desconhecia: Futebol para Amputados. A primeira reacção que tive fui: "Bom, deve ser futebol para quem não tem braços." E isto levantava imediatamente uma questão pertinente: um gajo sem os dois braços poderia ser capitão de equipa? Outra coisa que me passou pela cabeça foi: "Numa modalidade assim, agarrar a camisola de um adversário também dá direito a cartão?" Movido pela curiosidade, decidi averiguar do que se tratava, afinal. Assim, os jogadores de campo devem ter duas mãos, mas apenas uma perna, movendo-se com a ajuda de muletas, enquanto que os guarda-redes devem ter dois pés, mas apenas uma mão. Numa modalidade assim, a primeira coisa que salta à vista é que não pode haver ambidextros. Mas há mais coisas que me intrigam:

1) Como é que são efectuados os lançamentos de linha lateral?

2) Tendo o guarda-redes duas pernas, não lhe seria fácil pegar na bola, fugir a todos os adversários (que se movem de muletas) e marcar golo?

3) Num livre, a barreira não fica sempre com buracos?

Como é que os tipos da FIFA se lembraram disto? Só me ocorre uma maneira. Puseram 22 jogadores normais num campo minado. Na primeira parte, jogaram futebol normal; na segunda, jogaram futebol para amputados. Terá sido assim? Enfim, apesar da simpatia que nutro por amputados, acho que nunca seria fã deste desporto. É que, vendo bem, para mim, futebol em que não dá para fazer cuecas não é futebol...

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Contra o Instinto

"[Sócrates], enquanto nas suas deambulações críticas por Atenas, entabulando conversações com grandes estadistas, oradores, poetas e artistas, encontrava por toda a parte a presunção da sabedoria. Com espanto, reconheceu que todas aquelas celebridades nem possuíam sequer acerca da sua profissão uma perspiciência justa e segura, exercendo a mesma só por instinto. «Só por instinto»: com esta expressão tocamos o coração e o cerne da tendência socrática. Com ela, o socratismo condena tanto a arte como a ética vigentes: para onde quer que se dirija o seu olhar judicativo, ele vê a falta de perspiciência e o poder da ilusão, concluindo a partir dessa falta o carácter interiormente perverso e desprezível do que existe. Deste ponto de vista, Sócrates julgou-se na obrigatoriedade de corrigir a realidade existente: ele, o ser isolado, entra com uma fisionomia de desprezo e arrogância, como sendo o precursor de uma cultura, arte e moral de índole totalmente diferente, num mundo cujo rasto poderíamos considerar-nos supremamente felizes de captar com reverência."

Friedrich Nietzsche (O Nascimento da Tragédia)

Exclamemos como Nietzsche: «Só por instinto!» - eis a culpa cuja expiação não procuram grande parte dos jogadores e treinadores de futebol. Só por instinto é que, muitos deles, desempenham o seu papel. Fazem-no, portanto, sem a consciência daquilo que fazem, sem saberem se o fazem correcta ou incorrectamente. Um instinto aguçado pode, no máximo, disfarçar as deficiências intelectuais de quem o possui; não pode, contudo, substituir o intelecto. Agir sem pensar, cumprindo as ordens que a intuição irracional dá, pode até conduzir a resultados positivos, mas será sempre mais seguro e aconselhável perpetrar acções sob a batuta do raciocínio. Os jogadores de futebol que não pensam no que fazem não podem adequar-se, com facilidade, a novas adversidades. Como estão habituados a ultrapassar os problemas de uma determinada maneira e têm o instinto domesticado para agir segundo essa maneira, não conseguem, por não serem capazes de agir de outra forma que não instintivamente, adaptar-se.

O instinto, ainda que um atributo bom, não é portanto um atributo indispensável a um jogador. Como o não é a um treinador. Sem o raciocínio, sem a inteligência, o instinto tem pouca margem de manobra. Só pela inteligência se pode ser grande. Um jogador que tenha crescido a jogar na rua, que não tenha experiência de futebol federado, que não tenha o amadurecimento da formação, vive apenas do seu instinto, o que é - convenhamos - muito pouco. O mesmo acontece com treinadores que tenham apenas a experiência de jogador e o contacto com os métodos de outros treinadores. Sem pensar, sem raciocinar, sem tentar perceber o porquê das coisas, ninguém, em actividade alguma, exerce essa actividade de forma consciente. Pelo contrário, sem o intelecto, atravessam a estrada pelo braço do instinto, que mais não é que a reacção àquilo que aprenderam sem questionar. É contra jogadores e treinadores desta estirpe que a convicção socrática destas linhas pretende erigir o punho, dizendo: "Basta!" Basta de insolência! Basta de presunções patetas; basta de acharem que podem aquilo que não podem. Se não pensam, se agem segundo os ditames prepotentes e animalescos do instinto, como querem ser levados a sério?

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Nuno Assis: um estudo

João Rosado, o comentador de serviço no jogo Benfica-Académica, para a Taça de Portugal, disse aos 39 minutos do encontro, após o pontapé de canto cobrado por Nuno Assis que originou o golo de Luisão, que aquela era a primeira coisa positiva que Nuno Assis fizera no desafio. Sem querer faltar ao respeito a quem não vê, há quem goste de ser cego. Este mesmo senhor, aquando de um remate do central dos estudantes Kaká, dentro da área encarnada, que levou a bola a embater em Luisão, disse que o jogador da Académica talvez tivesse tentado chutar propositadamente contra o braço do defesa do Benfica, para assim ganhar um penalty. Devo dizer que foi talvez a coisa mais estúpida que ouvi nos últimos tempos. Fiquei a saber, contudo, que há quem pense que há jogadores que, podendo marcar golo, optam por chutar contra braços. Genial! Esquecendo a palermice aqui retratada, este texto visa então averiguar a qualidade das intervenções de Nuno Assis no respectivo encontro.

2 minutos: Boa opção. (Recebe a bola e dá num colega, recuado, conservando a posse de bola.)

6 minutos: Bom passe. (Binya passa por trás de dois defesas da Académica e Nuno Assis coloca-lhe a bola, possibilitando-lhe o cruzamento.)

11 minutos: Má opção. (Passe para Nuno Gomes, que se encontrava fora-de-jogo. Demorou algum tempo e acabou por não tomar a melhor decisão.)

14 minutos: Recuperação de bola. (Beneficia de uma atrapalhação do adversário e chega primeiro à bola, recuperando-a e entregando-a de primeira para Binya.)

17 minutos: Mau passe. (Espera que Nélson lhe passe nas costas, dando-lhe depois a bola, mas o passe sai demasiado curto e permite a recuperação de Hélder Barbosa, que corta para fora.)

19 minutos: Boa movimentação. (Percebe o sentido da jogada e aparece no meio da área, onde percebe que Cardozo, após cruzamento da esquerda, irá colocar a bola de cabeça. Chega ligeiramente atrasado, sendo eventualmente empurrado pelo opositor.)

22 minutos: Má opção. (No meio-campo, salta sozinho de cabeça, quando poderia ter dominado a bola; esta, contudo, fica em posse de jogadores do Benfica.)

22 minutos: Boa opção. (A seguir a um ressalto, domina no peito e entrega a um colega.)

24 minutos: Canto. (Canto batido no lado direito, cortado ao primeiro poste por um adversário.)

28 minutos: Boa opção. (Recebe no meio-campo, dribla um adversário, tabela com Cardozo e dá profundidade colocando na esquerda em Di Maria, para este cruzar.)

29 minutos: Boa opção. (Recebe a bola vinda de um lançamento, tabela bem com Binya, mas este devolve mal o passe, ficando curto.)

32 minutos: Boa opção. (Dá a bola para Petit, no meio, recuado.)

33 minutos: Boa opção. (Dá a bola para trás, para Léo.)

38 minutos: Boa opção. (Recebe à linha depois de excelente movimentação, a desembaraçar-se do opositor, espera pela entrada de Binya e faz um bom passe, que bate no calcanhar de um adversário, mas que ainda assim chega ao camaronês.)

39 minutos: Canto. (Bate um canto na esquerda e Luisão marca o primeiro golo.)

40 minutos: Drible. (Dribla N'Doye e sofre falta.)

41 minutos: Boa opção. (Recebe, dá em Nélson e desmarca-se.)

42 minutos: Bom passe. (Dribla N'Doye, no meio, pica a bola para Di Maria, que remata de primeira, de fora da área, levando a bola a passar por cima da baliza.)

43 minutos: Boa opção. (Tabela com um colega, dá atrás, desmarca-se e vai receber à frente; depois, espera pela movimentação de Nuno Gomes e dá-lhe a bola.)

49 minutos: Desarmado. (Recebe no peito no meio de dois adversários e é desarmado.)

51 minutos: Recuperação de bola. (Tira a bola a Ivanildo.)

52 minutos: Boa opção. (Ganha um ressalto à entrada da área, joga rápido em Di Maria, que dá de primeira a Binya, mas este perde a bola e N'Doye faz golo.)

54 minutos: Bola de cabeça. (Perde na disputa de uma bola de cabeça, chocando com Ivanildo.)

56 minutos: Boa opção. (Recebe um passe de Nuno Gomes, que ficara curto, dribla o seu opositor, vindo para o meio e dá em Cardozo, que está à entrada da área; este dá de primeira para Nuno Gomes, que estava em posição irregular.)

57 minutos: Recuperação de bola. (Recupera uma bola junto à linha lateral.)

64 minutos: Recuperação de bola. (Tira a bola a Ivanildo, após o remate ao poste de Hélder Barbosa.)

64 minutos: Boa opção. (Tabela com Binya, dá-lhe novamente a bola, este dá em Nuno Gomes, que a volta a dar a Nuno Assis; este dá novamente a Binya, o que garante uma progressão de mais de 40 metros.)

67 minutos: Perda de bola. (Contra-ataque perfeito, tabelando com Nuno Gomes; sem apoios, tenta ganhar no um para um, mas acaba por ficar rodeado de adversários; volta para trás, dribla um e, junto à linha, acaba por perder, ficando a dúvida se não é empurrado.)

71 minutos: Corte. (Evita um contra-ataque perigoso, cortando a bola a Hélder Barbosa.)

76 minutos: Bom cruzamento. (Recebe a bola vinda de um lançamento, ultrapassa o seu opositor e cruza para remate de primeira de Adu.)

85 minutos: Boa opção. (Recebe junto à bandeirola de canto, após cruzamento demasiado largo, dá em Nuno Gomes, que cruza para golo de cabeça de Cardozo.)

89 minutos: Boa opção. (Recebe no meio, tira um adversário da frente e dá para Binya.)

90 minutos: Bola de cabeça. (Perde uma bola de cabeça.)

91 minutos: Livre. (Bate um livre para a área, sem consequências.)

Coloquei em negrito as coisas más que Nuno Assis fez. Vamos aos resultados:

1) 34 acções durante 90 minutos; 29 boas açções; 85% de acções positivas.
2) Em 21 lances com a bola nos pés e com condições para fazer algo (exclui-se portanto os lances de bola parada ou as disputas de cabeça, ou os lances em que procura recuperar a bola, ou os lances em que não tem a bola totalmente dominada), teve 17 boas opções contra 4 más opções; 81% de boas opções.
3) Destas 4 más opções, resultaram apenas 2 perdas de bola, sendo que, numa delas, parou o jogo, por fora-de-jogo, e noutra fica a dúvida se não terá sofrido falta.
4) Recorreu ao um para um, ou por falta de apoios, ou por recurso, por 7 vezes, tendo sido bem sucedido em 6 delas; 86% de dribles com êxito.
5) Destes 6 dribles bem sucedidos, num sofreu falta, noutros dois proporcionou remates a Di Maria e a Adu, noutro proporcionou remate a Cardozo que, por sua vez, tentou isolar Nuno Gomes, noutro permitiu a Di Maria ir à linha cruzar e noutro pôde conservar a posse de bola. Destes 6 dribles, só dois não tiveram consequências imediatas. 4 destes dribles provocaram desequilíbrios significativos; 66% de dribles que causaram desequilíbrios.
6) Não fez nenhuma falta.
7) Há quem ache que os virtuosos não se entregam a trabalhos menos nobres como o de recuperação defensiva, mas Nuno Assis recuperou 4 bolas por força das suas acções defensivas e ainda cortou um lance de contra-ataque que poderia ter causado muitos danos.
8) Repetiu movimentações excelentes, ganhando invariavelmente espaços através das suas movimentações sem bola.
9) Conferiu velocidade ao jogo não através de correrias estonteantes, mas executando quase sempre de primeira e bem.
10) Apesar de não ter marcado nenhum golo, participou activamente em dois deles, sendo o responsável pela assistência para o primeiro.

Notas finais: Nuno Assis não é um jogador de muitos desequilíbrios; o drible nunca é a sua primeira opção, justificando-se apenas em caso de recurso ou quando não há outra solução. Não sendo jogador para desequilibrar individualmente, empresta à sua equipa muita qualidade de passe, ajuda à preservação da posse de bola e à gestão adequada dos ritmos, etc. Acelera o jogo porque pensa e executa extraordinariamente rápido. Pode dizer-se que Nuno Assis desequilibra através dos equilíbrios que proporciona. Estes números demonstram isso mesmo...

Outras coisas sobre este jogo:

1) Depois do jogo de ontem, ainda há quem ache que Vieirinha e Bruno Gama têm mais potencial que Hélder Barbosa?
2) Camacho optou por um 442. Mostrou variedade estratégica ou igual irresponsabilidade táctica? Opto pela segunda.
3) Petit e Binya fizeram um jogo horrível. Quando os defesas tinham a bola, nunca vinham ao meio buscar jogo ou abrir linhas de passe. Subiam, levando consigo as marcações e obrigando a equipa a jogar comprido. Muito por causa disso, o futebol do Benfica foi desligado e, à excepção de apontamentos individuais, nunca conseguiu criar perigo. Não fosse um lance de bola parada e tudo seria mais complicado.
4) No lance do segundo golo, o primeiro de Cardozo, os comentadores não hesitaram em atribuir todo o mérito a Léo, autor do passe decisivo. Há, contudo, um momento fundamental na jogada, que possibilita todo aquele desenrolar: a tabela de Léo com Nuno Gomes, ainda no meio-campo defensivo, fez com que 3 adversários ficassem para trás e o lateral esquerdo do Benfica tivesse espaço para depois executar com perfeição o passe. Excelente, Nuno Gomes.
5) Butt é mal batido, mas não chego a perceber o que se passou.
6) Luisão e Edcarlos formam a pior dupla de centrais do Benfica dos últimos 5 anos.
7) O público da Luz prefere mascotes a jogadores de futebol; já não bastava Mantorras, agora também idolatram Adu.

domingo, 9 de dezembro de 2007

As asneiras de Luís Freitas Lobo

Antes de mais, gostava de referir que poucas coisas há, sobre futebol, que valham a pena ler além dos textos de Luís Freitas Lobo. A excepção será, certamente, a crónica semanal de Jorge Valdano, todos os sábados, n'A Bola. Embora muito do que diga seja correcto e útil, Luís Freitas Lobo tem, de vez em quando, afirmações pouco convincentes. Tentei, pois, reunir aquelas que me parecem mais problemáticas.

1."Hoje, trincos ou pivots-defensivos, refinaram a forma de jogar e aumentaram a influência no jogo colectivo. São, tacticamente, os jogadores mais importantes para o equilíbrio da equipa, numa posição que é a âncora que mantêm o onze preso ao campo durante 90 minutos."

Percebo perfeitamente o argumento de Luís Freitas Lobo: um jogador que actue naquela posição central influi significativamente no desempenho defensivo e no desempenho ofensivo da equipa. Mas não concordo que seja o jogador mais importante. Aliás, afirmar que há posições mais importantes que outras é não entender o futebol como um jogo colectivo. Os processos ofensivos dividem-se em várias fases, todas elas importantes. Se a equipa atacar bem nas primeiras fases, mas não o fizer na última, de nada vale. Assim, são tão importantes, nos processos ofensivos, os jogadores que participam nas primeiras fases como os que participam nas últimas. A defender, acontece o mesmo. A equipa deve defender em bloco e todos têm o seu papel. Não há jogadores mais importantes que outros a defender, como não há jogadores mais importantes que outros a atacar. O médio-defensivo, apesar da sua posição nuclear, não tem mais importância que qualquer outro jogador.

2. "Os grandes craques são de geração expontânea ou produtos de formação? É uma questão antiga, mas em qualquer debate, sempre se falou na formação como a suprema referência de fazer grandes jogadores. Uma escola onde se adquirem as bases e os movimentos que depois vão servir de suporte a toda uma carreira futura. Parece uma opinião pacifica, mas há quem ouse desafiar estas teorias. Pensamos nas origens dos grandes jogadores de todos os tempos, de Pelé e Maradona, e vemos que nelas em vez de campos relvados e chuteiras último modelo, estão baldios de terra e pés descalços. Dirão que esses não contam, são excepções, porque são génios. Uma teoria desmoronada quando pisamos terras brasileiras e se descobrem craques até debaixo das pedras. Ou, até, noutros locais menos imagináveis. Até aos 22 anos, em vez de passar pelos escalões de formação, ele trabalhou como mecânico de automóveis, pintor e repositor de supermercado. Um belo dia, alguém lhe deu uma bola para os pés. Com ela dominada, foi desde as profundezas da Bahía até á relva de Alvalade. É esta a essência de Liedson. A leveza do bom futebol em cada jogada. Natural, simples, como cada golo que marca. Em que escola aprendeu aqueles movimentos, aquela capacidade de rematar e seduzir a baliza? Liedson seria um «case study» perito para entender os mitos e as utopias da formação e entender qual o verdadeira influência do chamado «futebol de rua» no processo de crescimento do grande jogador da actualidade. Deve ele crescer selvagem ou lapidado cientificamente? A solução estará a meio caminho destas duas vertentes. Acredito que mais do que ensinar, um treinador na formação deve antes guiar cada talento para este descobrir qual o melhor caminho de o explorar. A cada jogo, a cada golo que marca, olhando para o futebol de Liedson percebe-se que, afinal, os grandes craques não se fabricam nem se procuram, simplesmente... encontram-se!"

Não adianta referir, uma vez mais, a qualidade duvidosa de Liedson. Finjamos que o texto não é sobre o 31 do Sporting, mas apenas sobre a questão da formação. Há, em primeiro lugar, falsidades que não podem passar em claro. Maradona e Pelé têm, de facto, origens humildes. Mas afirmar que não tiveram formação é absolutamente ridículo. Alguém acredita que, se Maradona não tivesse saído do Argentino Juniors para o Boca e do Boca para o Barça, se teria tornado no melhor de todos os tempos? Alguém acredita que, se Maradona só começasse a jogar futebol federado aos 22 anos, teria feito a mesma carreira incomparável? Por pior que tenha sido a sua formação, ela existiu. Ter contacto com a competição também é formação. Nenhum grande jogador começa a jogar à bola aos 22 ou 23 anos. Em países pobres como o Brasil, no qual todos os miúdos jogam à bola na rua e para os quais a bola é o único brinquedo, é natural que surjam muitos talentos. Estes talentos são essencialmente intuitivos: amadurecem através da intuição individual, da percepção de cada um e das necessidades que o futebol de rua impõe. Sem passarem do futebol de rua para um clube federado, essa intuição nunca passa disso mesmo. Assim, um jogador que cresça selvagem, que não tenha a experiência de jogar em campeonatos competitivos, que não tenha a experiência do "futebol a sério", nunca passa de um jogador instintivo. E o instinto também é ensinado. Os jogadores que não passam por formação têm lacunas tácticas enormes, pois não foram domesticados para as deixarem de ter. São jogadores que só podem emprestar o seu instinto. Isso, no futebol moderno, é muito pouco. Acredito, apesar de tudo, que muitos jogadores que passam por todos os escalões de formação nunca chegam a ser grandes jogadores. Mas isso porque lhes falta o talento. Aquilo em que não acredito é que haja jogadores que, sem passarem por formação, apesar de muito talentosos, acabem por ser grandes. Isto acontece também em arte. Nenhum artista, por mais talentoso que seja, sem o contacto com outros artistas, sem o contacto com a História da Arte, sem o contacto com quem o pode ensinar, consegue tornar-se um grande artista. Assim, ao contrário do que pensa Luís Freitas Lobo, a solução não está a meio caminho destas duas vertentes: nenhum jogador que não seja ensinado, cujo talento não seja lapidado, dará um grande jogador. Ao contrário do que também pensa Luís Freitas Lobo, os grandes craques não se encontram, simplesmente. Fabricam-se! Ainda que o talento já lá esteja, têm de passar por um processo de amadurecimento que, individualmente, sem o contacto com a formação, jamais obtêm.

3. "Terminam os jogos da Champions e surge uma série de dados estatísticos. Remates, cantos, posse de bola… e, nos últimos tempos, um novo dado: os quilómetros que durante os noventa minutos cada jogador correu! É difícil encontrar dado estatístico mais absurdo e inócuo do que este. Em vez de quanto correu o jogador o que devia surgir era quantos quilómetros correu a bola impulsionada por acção desse jogador." "Mais do que colocar um conta-quilómetros num jogador, devia-se colocá-lo na bola e, no fim, ver qual das equipas a fez correr mais. Um dado para perceber o que é jogar bem."

Concordo com o primeiro período: de facto, nada mais improfícuo que contar os quilómetros que cada jogador correu. Correr muito não significa correr bem e, muito menos, jogar bem. Mas não concordo com a alternativa que Luís Freitas Lobo propõe. Contar os quilómetros que a bola percorre? Para quê? Uma equipa que opte por um futebol directo faz correr a bola, de cada vez, dez vezes mais do que uma equipa que opte por um futebol curto. E isso significa que a primeira joga melhor que a segunda? Claro que não. É que isso nem sequer ajuda a perceber a quantidade de bola que a equipa teve. Numa equipa como a primeira, a bola percorre dez vezes mais espaço, mas pode perder-se logo de seguida. Numa equipa como a segunda, se não se fizerem dez passes (o que já seria bom), perder-se-ia estatisticamente para a primeira. O que significa isto, então? Rigorosamente nada. Contar os quilómetros que a bola percorre é tão absurdo como contar os quilómetros que os jogadores correm.

4. "Para Luisão, cada jogo, cada jogada, parece que se tornou um teste. Esta semana desabafou. Sente-se quase o «patinho feio» da equipa. Disse não compreender porque não gostavam dele. Compreende-se o desabafo. Por princípio, os adeptos gostam mais de cisnes. Luisão nunca o será. Mas, na fábula, como na vida, os «patinhos feios» sempre foram mais inteligentes que os «cisnes». Num campo de futebol, também."

Luisão não compreende por que não gostam dele? Se for, preciso, eu explico. Luís Freitas Lobo acha que Luisão, enquanto "patinho feio", é mais inteligente que os outros. Han??? As palavras "Luisão" e "inteligente", na mesma frase, fazem-me alguma confusão. Luisão é inteligente? Como assim? Inteligente como que tem... hmmm... digamos... inteligência? E neste planeta? Só pode ser uma piada. Luisão é, a todos os níveis, horrível. Não é rápido; não é agil; é mau, muito mau, a nível posicional; não é inteligente a dobrar os companheiros; não sabe sair a jogar; apesar da sua altura, não é imponente no futebol aéreo como se desejaria. Luisão não tem nenhum atributo que faça dele um grande jogador. Continua a ser incrivelmente absurdo que algum dia alguém se tenha lembrado de o levar à selecção brasileira. Não, Luisão não é um cisne. Mas também não é um patinho feio. Luisão não é nada...

5. "Para essas quatro posições, tem cinco com saber táctico: (Veloso - Vukcevic - Izmailov - Moutinho - Romagnoli). Poucos, para um sistema física e tacticamente tão exigente. Quando mexe nas peças, a máquina ressente-se de imediato."

Falando do Sporting e do esquema em losango, Luís Freitas Lobo sugere que Paulo Bento tem poucas alternativas para o meio-campo. Segundo ele, só estes cinco têm "saber táctico" para jogar ali. Às vezes, sinceramente, acho que Luís Freitas Lobo tem problemas de memória, ou algo parecido. Vou dar mais dois nomes, assim à parva: Pereirinha e Farnerud. Se fala em "saber táctico", é porque não está a pôr em causa o valor dos restantes jogadores do plantel, mas apenas a dizer que, bons ou maus, não sabem cumprir tacticamente. Ora, pode-se achar o que se quiser de Pereirinha ou de Farnerud, menos achar que, tacticamente, não têm saber. Farnerud é, posicionalmente, óptimo. Podem apontar-lhe todos os defeitos que quiserem, mas tacticamente é irrepreensível. Pereirinha, então, é um caso gritante. Para a idade que tem, é demasiado adulto. Compreende perfeitamente as necessidades da equipa e, tacticamente, da sua idade, não há ninguém que lhe chegue aos calcanhares. É absolutamente injusto falar disto e esquecê-lo. Luís Freitas Lobo, como muita gente que tem dado palpites sobre o que vai mal no Sporting, também errou. Acha ele que, para o esquema do Sporting, o plantel oferece poucas soluções que possam cumprir tacticamente. Como maior parte dos que dão palpites, Luís Freitas Lobo acertou ao lado.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Por que é que as coisas são como são? (1)

Há umas semanas, estava a ver o Chelsea quando o Belleti galga 60 metros com a bola e marca golo ao Wigan. Pensei: "Hmmmm... isto foi fácil de mais! Deixa cá ver se este jogo que está a dar não é do campeonato inglês." E era. Foi mais ou menos nessa altura que o meu amigo imaginário, a quem vou chamar convenientemente Gláucon, me dirigiu a palavra:

Gláucon: Granda golo!!! Granda, golo, ó Sócrates! Viste aquilo? O gajo fez 60 metros com a bola; passou pela equipa toda...

Sócrates: Pois...

Gláucon: Não estás satisfeito, ó Sócrates? Não foi um grande golo?

Sócrates: Foi razoável.

Gláucon: Razoável? Mas porquê? Ele passou pela equipa toda.

Sócrates: Não tirou ninguém do caminho com arte. Fez tudo em velocidade e só pôde disfrutar de tanto espaço porque o adversário, tacticamente, era permissivo.

Gláucon: Queres explicar isso?

Sócrates: O futebol inglês, apesar de muito competitivo, não é tão bem jogado como se usa dizer. É um futebol essencialmente irracional, no qual é muito mais importante a agressividade, a intensidade, a constante movimentação, as transições rápidas, etc. O sistema táctico de quase todas as equipas é o 442 clássico. Nesse sistema, com uma filosofia de jogo iminentemente ofensiva e de transições rápidas, não é possível equilibrar defensivamente nenhuma equipa. Ao se balancearem para o ataque sem pensarem, concedem espaços inevitáveis. Num 442 clássico, não é possível atacar sem abrir espaços atrás. Em Inglaterra, quase todas as equipas jogam nesse sistema. Quando sobem no terreno, fazem-no com transições rápidas, o que estica a formação. Ao perderem a bola, só têm dois homens no meio-campo e um espaço enorme para preencher. É, por isso, natural que se abram corredores intermináveis por onde jogadores como o Belleti passam sem dificuldade. O golo de que falas, ó Gláucon, parece um grande golo, mas dificilmente aconteceria noutro campeonato. E não é por este ser o campeonato no qual estão os melhores jogadores; é por este ser o campeonato tacticamente mais ingénuo.

Gláucon: Tens razão, ó Sócrates. Vês as coisas com clareza. Eu é que sou um bocado sofista e não compreendo nada. Mas tens de considerar, apesar de tudo, que o campeonato é competitivo, que há emoção em cada lance, que os jogadores se entregam a 100% e que não dão nenhuma bola por perdida. E tens de considerar que essa atitude competitiva é louvável e que o espectáculo ganha muito com isso.

Sócrates: Assim não o considero, ó Gláucon. No campeonato inglês, há mais contacto físico do que noutros campeonatos, é verdade; os jogadores disputam as bolas com ferocidade, é verdade. Mas isso, ao contrário do que se pensa, não advém de uma mentalidade mais competitiva do que a mentalidade do jogador continental. Até, pelo contrário, advém da ingenuidade do próprio campeonato e dos próprios jogadores.

Gláucon: Que fundamentos tens para dizer tal coisa?

Sócrates: Quero que me escutes com atenção. Todas as vicissitudes do campeonato inglês radicam no sistema táctico e na filosofia de jogo das equipas britânicas e não numa suposta mentalidade diferente, excêntrica: a mentalidade do futebol inglês é consequência do sistema táctico utilizado e não o contrário. Vergado ao peso da tradição, o futebol inglês, em vez de se modificar estruturalmente, optou por se adaptar; em vez de transformar a filosofia de jogo, obsoleta há 20 anos, optou por tentar contornar o problema. Assim, manteve a mesma filosofia de jogo, mas, perante as necessidades modernas, teve de lhe acrescentar outras coisas. Para mascarar as lacunas de tal filosofia, havia que propor a cada jogador uma entrega a 100%. Assim, os problemas colectivos levantados pela utilização do 442 clássico foram supridos através do empenho individual. O problema, contudo, é óbvio: um sistema assim depende da eficácia de onze individualidades e, à mínima falha de um, tudo desaba.

Gláucon: Não sei se concordo contigo, ó Sócrates.

Sócrates: Continua a ouvir sem os preconceitos que formaste ao longo da vida. Um 442 clássico é um sistema rígido, de três linhas inflexíveis. Num sistema assim, há mais espaço entre linhas e entre jogadores. O futebol moderno, mais veloz, tacticamente mais adulto, veio pôr a nu tais espaços. Havia duas maneiras de contornar o problema: modificar o sistema, arranjando forma de, colectivamente, se ocuparem melhor os espaços, ou exigir uma entrega individual inexcedível, em que cada jogador corresse o mais possível. O futebol inglês optou pela segunda alternativa, o que faz dele um futebol essencialmente individual, uma vez que se baseia na conduta de cada um dos elementos do conjunto.

Gláucon: Sim, mas de onde vem tanta competitividade, tanta disponibilidade para disputar os lances? Tens de convir, ó Sócrates, que nisso o futebol inglês é diferente dos outros.

Sócrates: Assim o é, evidentemente. Mas aquilo que afirmo é que essa diferença não reside numa mentalidade diferente. Tudo deriva do sistema táctico e da filosofia de jogo. Ao se exigir a cada jogador que se entregue ao máximo para suprir lacunas colectivas, ele fá-lo defendendo homem a homem. Num esquema rígido, em que há muito espaço entre linhas, as equipas só podem conter o ímpeto ofensivo dos adversários defendendo homem a homem. Num 442 clássico, a defesa à zona é muito menos eficaz (porque muito mais difícil de pôr em prática) que uma defesa homem a homem, uma vez que se criam espaços que não é possível preencher. Assim, o campeonato inglês pauta-se por equipas que defendem ao homem e, nesse sentido, é natural que haja muito mais confrontos, muito mais bolas disputadas, muito mais agressividade, muito mais competitividade.

Gláucon: Insinuas então que a competitividade do futebol inglês resulta do facto das equipas defenderem homem a homem?

Sócrates: Efectivamente. E essa defesa homem a homem resulta do sistema táctico e da necessidade de suprir as lacunas do mesmo. A teimosia histórica do 442 clássico obriga então os jogadores, conscientes da necessidade de defender, a procurar a melhor forma de o fazer. Nesse sistema, a melhor forma (ou a forma mais fácil) é fazê-lo homem a homem, o que gera necessariamente mais bolas divididas, mais ressaltos, mais agressividade, etc. O futebol inglês só é competitivo porque assenta numa perseguição individual a cada adversário; as equipas defendem encaixando as suas pedras nas pedras adversárias. Emparelhados, os jogadores disputam as bolas sempre com o seu opositor directo em cima, o que faz com que o futebol aparente muita entrega. Aliás, todas as equipas que defendam homem a homem criarão, por certo, a mesma ilusão que as equipas inglesas criam e parecerá que os seus jogadores são muito mais competitivos que os demais. Nada mais falso. A competitividade é, não raro, resultado de uma necessidade. Um jogador que corra menos não significa que seja mais preguiçoso ou que seja menos competitivo que outro; normalmente, ou significa que é mais inteligente, ou significa que a sua equipa defende de uma forma em que não necessita que ele corra tanto. O problema da defesa homem a homem, ainda que seja a melhor num esquema como o 442 clássico, é que um jogador que se desembarace com facilidade do seu opositor cria desequilíbrios muito maiores do que um jogador do mesmo tipo contra uma defesa à zona. Ao se desembaraçar do seu adversário directo, obriga a que outro adversário lhe saia ao encalço, desprendendo outra marcação. Num sistema assim, é óbvio que as equipas que tiverem individualidades que provoquem melhor este tipo de situações são as equipas mais bem sucedidas; num sistema assim, quem tiver as melhores individualidades tem as melhores equipas; num sistema assim, o colectivo não tem força rigorosamente nenhuma e a cultura táctica ocupa um papel secundário. Assim se demonstra que a competitividade do futebol inglês é resultado do sistema táctico que se privilegia e que essa mesma competitividade, além de meramente ilusória, é sintoma também da ingenuidade geral do futebol em solo britânico.

Gláucon: Estou rendido, ó Sócrates. Fazes chacota de todos os sofismas...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Falsas aparências... Parte dois...

Há pouco mais de um ano escrevi um texto sobre a "crise" que se tinha abatido sobre a turma de Alvalade. Na altura, critiquei a rotatividade excessiva, assim como a insistência na inclusão de Liedson no onze inicial. Hoje, o problema não se prende apenas com este factor, mas também.
Entre estes dois textos o denominador comum continua a ser Liedson, mas o problema é que, ao contrário da época transacta, não há alternativas ao "Levezinho". Porquê? Porque o Sporting perdeu Alecs, e Djaló teve demasiadas aulas com o "Deus" de Alvalade. E, como se sabe, a influência dos deuses sobre os neurónios nunca foi a mais positiva.
Djaló decidiu ignorar tudo o que lhe permitiu alcançar o estatuto de grande promessa em Alvalade. Para quê? Para se aproximar, futebolisticamente falando, de Liedson. E o resultado é desastroso. Deixou de respeitar os apoios, de jogar simples, para depois, quando de frente para o adversário, tentar tirar partido da sua velocidade no 1x1. Talvez seduzido pelo slogan "Liedson resolve!", pensou em fazer o mesmo, o que resultou num atrofio de todas as suas potencialidades, e num gradual decréscimo de confiança de tal forma que dá a ideia que esta lesão até veio a calhar.
Purovic é um caso diferente. Quando se anunciou a sua contratação já era de esperar que ele não andasse muito longe do que ele demonstra em campo; é um jogador que permite ao Sporting explorar o jogo directo. É uma opção diferente dos outros avançados. Não acredito que numa realidade "normal" Purovic fosse tantas vezes utilizado.
Resta Derlei, o melhor avançado do plantel leonino, a quem o infortúnio bateu à porta.

O Sporting, como se viu na partida contra o Leiria, encontra as suas maiores dificuldades no último terço do terreno. E culpa-se quem? O meio-campo leonino, claro. Chega-se ao ridículo de criticar um jogador que entra a dez minutos do fim pela exibição cinzenta.
O domínio do Sporting encontra sempre a sua maior resistência na zona dos seus avançados. E este factor não está apenas associado à maior aglomeração dos adversários nessa zona. A movimentação dos avançados leoninos é sempre inconsequente, e mal gizada. Um exemplo disso mesmo é a ausência de situações de golo, criadas pelos seus avançados nessa zona. Tirando uma boa movimentação de Derlei, em conjunto com Simon, contra a Académica, nunca mais se voltou a conseguir um golo nesses moldes. Zero! Nem uma tabela, nem um passe a isolar um avançado, ou vice-versa, na cara do guarda-redes. Nada! O alcançado contra o Estrela, por razões óbvias, não conta.
No zona intermediária encontra-se sempre os responsáveis. Ou porque o Moutinho está menos em jogo, ou porque Romagnoli pega pouco no jogo, ou porque o Farnerud não sua a camisola, indo até ao ridículo de culpar a Fátima Lopes... Tudo serve para justificar a situação deplorável do Sporting, tocar na prima donna é que não.

O meio-campo leonino com Veloso,ou Moutinho, na posição de médio-defensivo funciona de forma totalmente diferente do que com Custódio. Não falo de Paredes, porque quero manter o nivel sério deste texto. Com os dois primeiros, um dos interiores terá de ser sempre um jogador que se distinga pela facilidade em equilibrar a equipa, aquando a integração de um destes jogadores no processo ofensivo da equipa em zonas mais avançadas. Pois tanto Moutinho como Veloso têm facilidade, através da suas movimentações, em criar desequilíbrios na equipa adversária, fruto de uma maior apetência para se soltarem em acções ofensivas.
Por outras palavras, só com um jogador com as características de Farnerud, Moutinho, ou Pereirinha, jogadores muito evoluídos tacticamente, é que se poderá explorar ao máximo as qualidades de Veloso. Moutinho tem sido exemplar nesta situação, sacrificando um maior protagonismo em prol do colectivo.

Com Custódio, qualquer dos interiores terá sempre um maior protagonismo, pois sendo um jogador que não assume tanto o jogo, preocupa-se sobretudo em equilibrar e criar situações de apoios, do que propriamente em procurar esses apoios.

A preocupação de Moutinho em "fechar" as deambulações de Miguel Veloso, não resulta numa menor exploração do seu flanco. Abel, devido as suas características, tem sido bastante eficaz na definição dos lances pela ala direita. Portanto, não acredito que seja pela má organização e mecanização deste sector que passe os maus resultados leoninos. Acredito que o sector defensivo sofra com o instabilidade criada na indefinição do seu guarda-redes e que, como resultado disso, tenham sofrido demasiados golos, para uma equipa tão organizada; porém, a tranquilidade de uma equipa consegue-se com bons resultados. Mas a verdade é que alcançar vitórias com nove homens, não é tarefa fácil.
Fica uma pergunta: Se o Liedson resolve, porque é que apesar de ele não contribuir em nada para as boas exibições colectivas da turma leonina, só "resolve" quando o Sporting joga bem, e por conseguinte cria inúmeras oportunidades de golo?